Com mais de 70% da população portuguesa vacinada contra a Covid-19, a questão permanece: para quê sujeitar cerca de 400 mil adolescentes à inoculação antes do início do ano letivo? Embora as autoridades de saúde tenham argumentado que a decisão se baseava em critérios científicos, o Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, de que faz parte o pediatra e intensivista Francisco Abecasis, mostrou reservas.
Em declarações ao Porto Canal, sobre a vacinação dos jovens na Madeira, no início de agosto, o especialista fez saber as razões da sua discordância: “O risco de um adolescente saudável ser internado é cerca de um para 100 mil; o risco de miocardite, de acordo com os números que nós temos, é seis vezes superior”. E acrescentou: “Fará sentido vacinar contra uma doença que não tem risco, sendo que o risco da vacina pode até ser superior ao da própria doença? Enquanto isto não estiver cabalmente esclarecido, não vamos fazer experiências em crianças.”
A mensagem foi partilhada no Twitter realçando mais notas do médico: “A OMS nunca recomendou a vacinação das crianças e a própria Agência Europeia do Medicamento, que a aprovou, referiu que seria destinada, em particular, àqueles que tivessem comorbilidades.” Ou seja, do ponto de vista médico, não faria qualquer sentido avançar. “A maioria dos adolescentes quer ser vacinada (…) porque lhes dizem que para irem jantar fora com os amigos precisam de ter um certificado”, ironizou, admitindo estarem a inverter-se valores. Em que ficamos?
Vacinar entre os 12 e os 15 anos é mesmo preciso?
Quando a Direção Geral da Saúde recomendou a medida, sem a circunscrever a jovens com doenças de risco, Graça Freitas explicou que a decisão se apoiava na análise do impacto da vacinação nos “mais de 15 milhões adolescentes vacinados nos Estados Unidos e na União Europeia”.
As miocardites e pericardites, “extremamente raros”, não seriam preocupantes, abrindo o caminho para ministrar a vacina antes do arranque do ano letivo. O objetivo da task force é acelerar o processo e ver concluída a vacinação dos maiores de 12 anos (iniciada a 21 de agosto) até 19 de setembro, com a Pfizer, a única aprovada para esta faixa etária.
Os riscos compensam os ganhos, neste grupo?
“O risco de um adolescente ter complicações com a vacina é bastante baixo. Já o risco de ter miocardite com a doença Covid-19 é bem mais alto do que a ter com a vacina”, esclarece o epidemiologista Manuel Carmo Gomes. O docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa explica: “Quando se faz o balanço entre o benefício e o risco, o benefício é claramente maior, ao nível de hospitalizações evitadas, sem dúvida nenhuma.”
“Do ponto de vista científico, são necessários muitos dados para ter uma noção exata do valor destes acontecimentos (miocardites e pericardites), muito raros”, assume o bioquímico Miguel Castanho. O problema é que os testes da Pfizer, divulgados em maio, foram feitos com uma amostra pequena (mil vacinados e mil no grupo placebo). “A ocorrência da doença é tão rara que dificulta a comparação entre os dois grupos; faltam dados sólidos da atividade da vacina por não existir abundância de dados como houve nos adultos (amostras de 30 a 40 mil).”
Mas em termos globais, a medida justifica-se?
O investigador do Instituto de Medicina Molecular considera que, em matéria de segurança, “se houvessem problemas graves já se saberia, mas não temos ainda uma conclusão global para afirmar com certezas que a vacina traz valor acrescentado”. Idealmente, “deveríamos esperar até ter mais dados e vacinar depois”. A alternativa seria vacinar todos os adultos e ter uma incidência baixa. “Se todos os adultos fizessem o que devem, não seria preciso colocar o ónus nos mais novos”, adianta Miguel Castanho.
Não podemos esquecer que há vantagens em alargar o número de pessoas protegidas e que as crianças são um reservatório para multiplicação de novas variantes, mas estes argumentos não são fortes. Na prática, “a inoculação dos 12 aos 15 anos contribui entre 3% a 4% para a proteção comunitária, o que é muito pouco”. Além disso, “as variantes surgiram em países com baixa cobertura vacinal por razões económicas”. Em Portugal, “esperando-se mais de 90% de vacinados acima dos 16 anos, a probabilidade de aparecerem novas variantes é residual para todos”. Em abono da segurança, “o nosso ponto cardeal deve ser reduzir a incidência, que é muito elevada para o verão”.

Conclusão
ENGANADOR
O risco de adolescentes terem complicações com a vacina é maior do que o risco da Covid? Os dados disponíveis da atividade da vacina entre os 12 e os 15 anos não são sólidos devido ao número reduzido das amostras e por este grupo adoecer menos do que os mais velhos, o que torna os resultados dos estudos indeterminados. O que se pode dizer a partir dos ensaios clínicos é que o risco de complicações (miocardites, por exemplo) de infeção por SARS-CoV-2 é superior ao obtido com a vacina e que esses efeitos são muito raros.
FACT CHECK “VERIFICADO”. Conheça os factos, porque é preciso ter VISÃO.