A diretora geral da Saúde, Graça Freitas, disse recentemente em conferência de imprensa que as pessoas que atualmente estão a morrer vítimas de Covid-19 são predominantemente “muito idosas” e “muito doentes”, com uma média etária superior a 80 anos. A maior parte tem as duas doses da vacina.
Como? Não é suposto estarem protegidas pela vacinação? Sabemos que esta quarta vaga da Covid-19 tem uma taxa de letalidade muito inferior. Em julho e agosto, a taxa de letalidade (relação entre o número de vítimas mortais e o total de infetados) tem sido de 0,3% quando em março foi de 1,3 por cento. Para a Direção Geral da Saúde, não há dúvidas de que a causa desta redução das mortes é a vacinação.
Ainda assim, e apesar de sabermos que nenhuma vacina é 100% eficaz, as mortes de pessoas totalmente vacinadas levantam várias questões. E a mais frequente é:
Os vacinados apanham assim tão facilmente o vírus?
Não. Mas vamos distinguir aqui as percentagens de eficácia das vacinas que estamos habituados a ler nas notícias. Elas referem-se ao facto de prevenirem a evolução para doença grave, a hospitalização e consequentemente as mortes. Um estudo recente da agência de Saúde Pública britânica mostra que as duas doses da Astrazeneca, por exemplo, têm uma eficácia de 80,9% contra a doença sintomática no caso da variante Delta (tinha 86,8% de eficácia em relação à variante Alpha); a prevenir o risco de hospitalização, a Astrazeneca é 92% eficaz com a Delta.
O mesmo estudo analisou a Pfizer e garante que as suas duas doses são 87,5% eficazes a prevenir doença sintomática e 96% eficazes contra o risco de hospitalização (variante Delta considerada). Portanto, as vacinas são altamente eficazes a prevenir a doença grave, mas um outro estudo do Imperial College London mostra que as vacinas são bem menos eficazes a prevenir a infeção.
“Com a variante Alpha, as vacinas protegiam contra a infeção numa eficácia entre 80 e 90 por cento. Com a variante Delta, essa percentagem desce para os 60/65 por cento no caso das duas doses completas”, explica Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Carmo Gomes não tem dúvidas: “As pessoas vacinadas estão mais protegidas contra a infeção, mesmo com a variante Delta”. Na verdade, os totalmente vacinados têm 60% ou 65% de hipóteses de não apanhar o vírus. Algo que os não vacinados não têm.
No entanto, sabemos que nos mais velhos as vacinas podem não ter um grau de eficácia tão alto. A idade é fundamental naquilo que se chama imunossenescência, ou seja, deterioração imunológica provocada pelo envelhecimento. Mesmo com a vacina, o sistema imunológico simplesmente é incapaz de responder perante a ameaça, em certos casos. Daí que esteja em cima da mesa a hipótese de os idosos receberem uma terceira dose das vacinas, reforçando a capacidade de proteção.
As pessoas vacinadas apresentam a mesma carga viral das pessoas não vacinadas?
Sim, isso pode acontecer. Nos Estados Unidos da América, vários estados deixaram cair a obrigatoriedade do uso de máscara em locais fechados, mas tiveram de voltar atrás. Um estudo da Universidade de Massachusetts – ainda não revisto pelos pares – mostra que as pessoas vacinadas apresentam a mesma carga viral do que as pessoas não vacinadas, o que levou o CDC (Centro de Controlo e Prevenção de Doença) a recomendar, de novo, o uso de máscara em locais fechados.
Também um estudo de investigadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, concluiu o mesmo. Isto faz com que, potencialmente, se pense que, neste caso, os vacinados também transmitirão a doença tanto quanto os não vacinados, mas a conclusão não pode ser tirada sem um estudo mais minucioso e centrado na transmissibilidade. Os investigadores ingleses levantam essa questão, mas dizem que ainda não é certo que assim seja.
De qualquer forma, se as análises continuarem a confirmar a questão da carga viral, a imunidade de grupo pode ser cada vez mais uma miragem. Por outro lado, apesar da carga viral idêntica, vários estudos mostram que as vacinas fazem com que a infeção seja debelada mais cedo e com mais eficácia, reforçando as nossas defesas contra o vírus, levando o corpo a preparar-se com antecedência. O que, numa “guerra” de anticorpos, pode ser decisivo.
Conclusão
FALSO: As pessoas totalmente vacinadas não apanham a Covid-19 com a mesma facilidade. Aliás, têm entre 60 a 65% de possibilidades de não a apanhar de todo em face de um contacto de alto risco com uma pessoa positiva, por exemplo. No entanto, se ficarem infetadas, os últimos estudos (muito recentes, portanto ainda não revistos pelos pares) mostram que, tratando-se da variante Delta, os infetados vacinados apresentam a mesma carga viral dos não vacinados. O efeito que isto terá nos níveis de transmissão ainda não é claro para os investigadores. O certo é que a Delta veio alterar bastante as regras do jogo e deixa a imunidade de grupo bem mais longe de ser atingida.