Sou uma jovem de 24 anos e sempre me identifiquei como heterossexual. Namoro há dois anos e meio com um rapaz e, embora não me sinta completamente satisfeita em relação ao sexo, gosto muito dele e é com ele que desejo constituir família.
Tenho tido fantasias com outra mulher. Masturbo-me a pensar nela e fico excitada com filmes pornográficos lésbicos. Eu achava que era apenas uma fantasia, até que conheci uma rapariga pela internet. Trocamos contactos e temos falado todos os dias. Hoje temos uns ciúmes enormes uma da outra, como se fossemos namoradas (só nos conhecemos pelas fotos). Quero conhecê-la pessoalmente mas tenho medo.
Ela é lésbica assumida e sabe que tenho namorado. Quero estar com ela, abraçar, dar beijinhos, enfim… Será que estou apaixonada por ela? Será que sou bissexual?
A tendência para se rotular – como ‘hetero’, ‘lésbica’ ou ‘bi’ – talvez importe menos do que a questão de fundo que me coloca. mas vamos por partes. Primeiro: é comum que muitas pessoas heterossexuais se sintam atraídas por pessoas do mesmo sexo, mesmo que nunca concretizem esse desejo. Segundo: se se sente atraída pelos dois sexos, é legítimo questionar a sua orientação sexual e procurar fazer a prova dos nove por si mesma, sem receio do que possa descobrir. Terceiro: como demonstram pesquisas realizadas nas últimas décadas, a sexualidade é hoje entendida numa dimensão mais fluída. A intimidade e os padrões de atração não se resumem a categorias estanques e lineares (exemplo: ‘carne’, ‘peixe’ ou ‘vegan’, como se costuma dizer!), nem a paixão escolhe sexo. Ou seja, a expressão “amamos pessoas”, ainda que seja um lugar comum, aplica-se aqui: conhecer e respeitar a sua natureza pode implicar alguma busca interior e alguma validação da sua parte e junto de pessoas com outra orientação sexual.
Dito isto, avanço para a questão de fundo: quer constituir família, mas receia conhecer pessoalmente a mulher por quem se sente atraída e que parece estar resolvida face à questão que a traz, a si, aqui. Talvez faça sentido pensar no papel de mãe noutra altura, já que agora parece ter ido ao encontro da oportunidade que procurava para perceber quem é, sem receio de si mesma, ou de como se define, no aqui e agora (amanhã só saberemos depois…), em matéria de paixão e desejo. Seja com um homem ou com uma mulher, as questões do ciúme, da posse e das expetativas – por vezes irrealistas – constituem um sinal de alerta que merece ser ponderado: enquanto jovem adulta, o que procura – ou espera encontrar – realmente, num relacionamento?
Independentemente de o que a motiva ser a satisfação (gratificação) sexual, a experimentação como forma de autoconhecimento ou a partilha de interesses comuns, importa que isso fique claro para si e se torne igualmente claro no contacto com quem você está, ou venha a estar, envolvida. Por fim, o que significa, para si, a experiência da paixão? Tem a certeza de que não está a rotular com esse termo outro tipo de necessidades e sentimentos (medo, ciúme, desejo de ter uma família), que projeta noutros (ou noutras), nas suas fantasias e encontros? Atenta a isto, dê os passos que sentir serem mesmo os seus e entregue-se à experiência (e à possibilidade de aprendizagem que ela lhe trouxer).
Clara Soares, jornalista, psicóloga e autora do blog Psicologia Clara