O seminário Estado e terceiro sector: Que novos compromissos organizado recentemente pelo Centro de Estudos Sociais sublinhou nas várias intervenções que lhe deram corpo, que a crise económico-financeira não pode resolver-se questionando a Protecção Social. Nas palavras de Raymond Torres, Director do Departamento de Investigação da Organização Internacional do Trabalho, presente na iniciativa, cortar na Protecção Social é o que não deve de facto fazer-se cada vez que se coloque como incontornável e urgente a redução da despesa do Estado.
A Protecção Social é uma preciosa conquista da humanidade e hoje um direito que deve ser de todos. Resulta da defesa e promoção da dignidade humana, e por isso não pode de forma alguma ser violado. Neste sentido, não deixa de ser deveras importante assinalar, como o partilhou Raymond Torres, que a Protecção Social tem aumentado em países como a China, Índia, Brasil, Etiópia e até com sistemas inovadores, e que nalguns locais, o aumento do salario mínimo se decidiu corajosamente como forma de circunscrever a crise, garantindo, desta forma, maior Protecção Social.
Ainda que muitos tenham insistido que é urgente uma definição clara do que cabe ao Estado e às Organizações fazer, Valentina Caimi representante da Social Platform (a maior rede social europeia para a justiça social) referia, no final a sua intervenção, o que líderes de instituições do Terceiro Sector viriam a defender no decorrer da manhã, nomeadamente que é dever do Estado garantir direitos sociais dentro de um quadro legal, financeiro e regulador, através de serviços sociais de elevada qualidade, sendo dever das organizações, em complementaridade com o Estado, medir o impacto das estratégias que adoptam, e efectivar a sua continua revisão e transformação.
Economia e Economia Social e Solidária
Não é clara a denominação de uma economia alternativa à que é apontada como tendo por fim o capital ou o lucro, sendo por isso urgente encontrar-se uma rápida saída do labirinto das denominações, tais como “social”, “solidária”, “comunhão”, “fraternidade”.
A nomenclatura Economia Social e Solidária encontrou consenso na maior parte dos responsáveis de organizações presentes, havendo quem no entanto contestasse os adjectivos em nome de uma normal economia (oikonomia – hodierna manutenção de uma casa), que deveria ter por fim a centralidade do ser humano e a sustentabilidade do ambiente que o rodeia.
Uma eventual intervenção do Estado talvez pudesse ajudar a economia dita neoliberal a recuperar os valores que lhe estão na origem, e que se foram gradualmente dispensando, tornando tudo e todos descartáveis mediante a utilidade ou capacidade de produção de cada um. Talvez dessa forma, empresas que são hoje expressão da economia dos nossos dias também fossem mais facilmente percecionadas pela sociedade civil e pelas organizações como empresas que visam o melhoramento das condições de vida dos seus colaboradores e das comunidades onde estão inseridas, e por isso, empresas que também se regem por valores – ao contrário do que preconceituosamente se vai pensando ou supondo.
Será sempre impossível uma percepção e comunicação não-contaminada das coisas, mas por essa mesma razão, e porque a realidade da economia, das empresas, do Estado, da sociedade civil e do sector social está em constante mutação, o que ontem se possa ter pensado ou dito, poderá não fazer sentido pensar-se e dizer-se de todo hoje.
Desemprego, empreendedorismo e o futuro do trabalho
O desemprego, o envelhecimento, a imigração e o isolamento de pessoas a viver só foram algumas das problemáticas sinalizadas dentro da União Europeia – um quadro de novos desafios que aguardam urgentemente por novas respostas e políticas sociais, que vão ter de ser sempre adaptadas aos contextos locais. Os Estados não podem simplesmente culpabilizar as pessoas pela situação em que se encontram, e fazer depender unicamente delas a solução para problemas que são fundamentalmente estruturais.
Incentivos ao empreendedorismo pessoal podem funcionar com muitos, mas não resultarão certamente com a grande maioria de quem hoje está sem trabalho. Estudos recentes também revelam o quão precárias são as soluções que o empreendedorismo tem conseguido até hoje. Por outro lado, o Estado não pode também permitir que a dignidade das pessoas seja continuamente violada por entidades que exploram sem escrúpulos a fragilidade e necessidade de que quem está numa situação de pobreza e exclusão social.
O trabalho é intrínseco à condição humana. Todo o agir humano é trabalho, seja ele remunerado ou não, não sendo possível existirmos, enquanto pessoas, sem o seu exercício. É pelo trabalho que as sociedades se organizam e interagem. Mas o trabalho, tal como se pensa ainda hoje, está em profunda transformação, também ela resultante da revolução tecnológica em curso.
O trabalho remunerado rareia. Muitos empregos já acabaram e outros vão certamente desaparecer. E os que vão surgindo como possibilidade são muito diferentes dos que se ofereciam num passado recente. A relação entre empresas e colaboradores está a mudar e com ela impõem-se novos modelos de emprego. É certamente urgente encontrar soluções que respondam às profundas mudanças em curso, tendo em conta, no entanto, que as elevadas taxas de desemprego que se fazem sentir um pouco por todo o lado não se combatem com cortes na Protecção Social, mas com a criação de revolucionárias políticas de emprego. O futuro do trabalho impõe-se, uma questão premente que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) começou a reflectir recentemente, num estudo que vai durar os próximos 4 anos, e que visa oferecer uma actualizada declaração sobre o trabalho no contexto actual.
Novos compromissos: sumo de fruta-mais-do-mesmo
Era um dos principais objectivos do seminário vir para fora com um conjunto de novos compromissos. Mas as organizações da sociedade civil pouco mais conseguiram que uma pouco sistemática repetição de ideias que não as dispensam, certamente, de uma transformação que deve começar dentro das suas próprias estruturas mentais e físicas, para além de qualquer oposição ao fácil lavar-de-mãos do Estado. Manuel Carvalho da Silva ainda tentou retirar algum sumo de fruta-mais-do-mesmo, no entanto, no final, descortinar eventuais compromissos entre tantas linhas de conversa ficaria nas mãos do CES como tarefa.