Tenho 20 anos, sou filho único e vivia com os meus pais, em Torres Vedras, até ter entrar na faculdade, em Lisboa, onde partilho quarto com dois colegas, uma rapariga e um rapaz.
Já tive uma ou outra namorada, nada sério. Até que conheci alguém do mesmo sexo e acho que estou a passar por uma experiencia totalmente nova. Eu acho que sempre tive atração por homens, mas sempre evitei pensar nisso, pelo medo das consequências para a minha vida.
O meu pai soube disto e tivemos uma discussão. “Sim, sou gay. Ainda me consideras teu filho?”, foi o que acabei por dizer-lhe. Ele ficou dois dias sem me dizer nada. Agora quer que eu vá a um médico para “tratar deste problema” e perguntou-me se eu queria mesmo acabar o curso, que ele financia. O que posso fazer?
Antes de tudo, congratulo-o pela “saída do armário”. Hoje, apesar de ainda existir discriminação, as condições sociais são mais permeáveis à aceitação da diferença, por diversas razões: a retirada da homossexualidade do Manual das Perturbações Mentais, a mudança de legislação (a nível nacional e europeu) e o trabalho realizado pelos movimentos LGBT. Porém, vendo a questão num plano mais individual e familiar, há muito caminho, ainda, por percorrer e muita aresta a limar.
A descoberta e a revelação da sua orientação sexual podem não ter sido um passo fácil, mas talvez tivesse sido pior se se mantivesse na sombra, iludindo-se a si mesmo e fazendo de conta diante dos que lhe são mais próximos. Pouco importa se este passo “de verdade” é dado no seio de uma relação heterossexual que já dura há bons anos, ou no final da adolescência, que é o seu caso. Em qualquer das situações, é difícil ou praticamente impossível controlar a forma de os outros reagirem, e é preciso lidar com isso.
No caso do seu pai, mesmo que ele possa ter “desconfiado” (ter-se apercebido, mas nunca falado disso consigo, por exemplo), a notícia não deixa de ter sido recebida com estrondo e choque. Só nesse contexto se pode conceber, ainda que dificilmente, o uso de estratégias menos legítimas, como a manipulação e, eventualmente, o abuso do poder (“se queres acabar o curso…”, “vai ao médico”, etc).
A procura de ajuda junto de uma associação LGBT revela-se um apoio preciso nesta fase. Sugiro que consulte o site da AMPLOS, por exemplo, que lida diretamente com as questões da parentalidade (quando os pais descobrem que os filhos são gays, lésbicas ou bissexuais) e da comunicação entre pais e filhos.
O aconselhamento por parte de um psicólogo clínico, dentro ou fora de uma associação, pode ser útil na maneira de lidar com os seus medos (de retaliação paterna, por exemplo) e/ou a mediar a situação de transição que está a viver, sem ceder à tentação de “esconder-se” ou negar uma parte de si, apenas para evitar conflitos ou garantir um direito que lhe assiste (concluir estudos, com o financiamento familiar).
Clara Soares, jornalista, psicóloga e autora do blog
Psicologia Clara