Há em torno do voluntariado muitas ideias. Algumas são românticas, outras de missão, outras ainda de que é algo que se faz apenas com os “braços” e quando se tem tempo. Seja qual for a motivação para agir em voluntariado, este deve ser feito mais com a “cabeça” do que com os “braços”. Ou seja, primeira com consciência e depois com a ação.
Sim, o voluntariado é uma escolha livre de agir. Mas sim, e também, o voluntariado obedece, quer na sua fonte quer na legislação portuguesa e internacional, a princípios. Nem tudo é voluntariado nem tão pouco tudo é bom voluntariado. Evitando entrar na definição da lei portuguesa do que é voluntariado e pessoas voluntárias, importa dizer que se não há um enquadramento (como descrito na lei), não há realmente voluntariado. Um grupo de pessoas que se junta e faz “qualquer coisa” não é necessariamente voluntariado e pode, em muitos casos, produzir efeitos indesejáveis pois sem planeamento e sem a consciência de perceber a situação em que se pretende intervir, corremos o risco de desajudar.
O voluntariado ocorre em organizações promotoras e capazes de gerir um programa ou projeto de voluntariado. Há necessidade de formação e orientação, bem como assegurar a proteção da pessoa voluntária. O contrário disto será apenas um ajuntamento de pessoas que fazem algo. Como um grupo que combina ir à pesca, por exemplo.
O problema está, muitas vezes, na origem de quem inicia e pretende gerir voluntariado. Os projetos de voluntariado não são de “geração espontânea” e não se criam no Facebook ou noutra rede social sem que antes haja todo o enquadramento necessário. Não se convocam voluntários e voluntárias de forma aleatória para uma ação que a única preparação é informar do “dia e hora”. Infelizmente tenho observado vivamente esta situação com todos os problemas que aí advêm.
Vou utilizar o exemplo das pessoas sem-abrigo em Lisboa. Os grupos de “voluntários” e voluntárias” nas ruas estão a crescer. São grupos que aparecem numa noite com carros, carrinhas e até (recentemente) com um camião. Daqui sai roupa, mais roupa e mais roupa. Depois comida e mais comida e ainda mais comida (a qual não pode ser guardada pelas pessoas sem-abrigo). Grupos que vêm de todas as partes do país. Perto de Lisboa ou longe. Solidariedade? Talvez, mas não é voluntariado.
Há aqui muitos problemas a apontar, mas irei aos mais imediatos:
– Estas ações não são de voluntariado pois não enquadram os requisitos para que sejam;
– São inconscientes e inconsequentes e produzem perturbação nas ajudas organizadas que existem;
– Não educam para o voluntariado nem para uma ação consciente. Pelo contrário, causam uma ideia errónea do voluntariado;
– Claramente os “voluntários” e “voluntárias” destes grupos não obtiveram a formação e orientação necessárias para lidar, neste caso, com a situação de rua e as fragilidades humanas da condição de sem-abrigo.
– Por último e eticamente fundamental, não se utilizam pessoas sem-abrigo (ou outras) para nos divertirmos. Defendo vivamente (e já escrevi) que o voluntariado é algo positivo para nós e não há mal nenhum em nos sentirmos felizes em fazê-lo. Mas isto é bem diferente de utilizar as pessoas que deveriam ser apoiadas como fonte de recreação.