Em data de aniversário, o Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, António Tavares, conversou com a VISÃO Solidária sobre o papel fundamental que a instituição desempenha na cidade. Na sexta-feira, dia 14, a celebração dos 515 anos da Santa Casa foi assinalada através de um ato simbólico: a entrega da primeira Constituição da República Portuguesa em Braille. Um projeto desenvolvido pela imprensa em Braille da Santa Casa da Misericórdia (a primeira a surgir ni país, há 50 anos), e que demorou três meses a ficar concluído, dando origem a onze volumes.
À VISÃO Solidária, o Provedor falou de velhos e novos desafios, sempre com o olhar voltado para o futuro, já que, também na sexta-feira, inaugurou o Centro de Reabilitação do Norte. Orgulhoso do trabalho desenvolvido pela instituição em cinco séculos de atividade, António Tavares confessou a dificuldade em dissociar a história Santa Casa da história da cidade.
Consegue imaginar como seria o Porto sem a Santa Casa da Misericórdia?
Acho que a cidade do Porto sem a Misericórdia seria algo como uma floresta sem árvores, ou seja, seria algo que não é possível descrever. A Misericórdia faz parte da vida da cidade, uma cidade com gente que luta e que é muito resiliente. A Santa Casa da Misericórdia contribui para o conforto espiritual e material de muitas pessoas.
Atualmente, quais são os principais desafios que a Misericórdia do Porto enfrenta?
O principal desafio será sempre a sua sustentabilidade, foi esse o grande desafio dos últimos cinco séculos: manter-se e passar ao longo dos tempos. A Santa Casa, no seu tempo de vida, teve sempre que encontrar condições financeiras e materiais para poder cumprir a sua missão. Outro dos desafios é saber inovar socialmente, adaptando-se aos novos tempos. Estamos a inovar não só ao nível das pessoas a quem estamos a acorrer, como as mulheres vítimas de violência doméstica, vítimas de acidentes, portadores de deficiência mas, também, ao nível da pobreza que hoje temos pela frente e que afeta muita gente da classe média. Os novos desafios da Santa Casa obrigam-na a encontrar novas receitas, novos projetos e formas alternativas de resposta.
Qual é o significado do gesto da entrega da Constituição da República em Braille?
Essa foi a maneira que a Santa Casa do Porto escolheu para comemorar os 40 anos do 25 de Abril. A Misericórdia percebeu que não havia qualquer referência à Constituição da República em Braille e resolveu fazer uma edição para entregar em três instituições de referência. Decidimos começar pela biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Depois, também será entregue no Parlamento e na Presidência da República. Ao fazermos esta edição, quisemos chamar à atenção para aqueles que não conseguem ter acesso aos textos de outra maneira. Um invisual não tem a possibilidade de ver um contrato vertido para Braille, seja de uma companhia telefónica ou de eletricidade. Esta foi a maneira que encontrámos de chamar à atenção para estes problemas e de realçar o papel importante destas pessoas, que são uma parte importante da sociedade e que devem estar integradas numa lógica de inclusão social. Nada melhor do que um texto tão representativo para os portugueses para desempenhar este papel.
A saúde é uma área chave da Santa Casa. Em data de aniversário, inauguraram o Centro de Reabilitação do Norte. Qual é a importância deste projeto?
A saúde é uma área em que a Santa Casa está desde o séc. XVI. Quem tem o Hospital da Prelada, o Centro Hospitalar Conde Ferreira é o proprietário do Hospital de Santo António, não poderia ficar de fora de um projeto tão importante para a reabilitação e a medicina física como o Centro de Reabilitação do Norte. Posso dizer-lhe, em primeira mão, que vamos assinar um protocolo com o Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, ao qual esperamos que o IEFP se possa associar, exatamente, para ajudarmos os utentes do Centro de Reabilitação ao nível da empregabilidade, no sentido de se integrarem plenamente na sociedade.
Outro dos grandes projetos da Misericórdia do Porto é arrendamento social. Em que ponto está esse processo?
Neste momento, fizemos um pequeno compasso de espera nesse projeto porque decidimos dotá-lo de uma outra componente: o apoio aos sem-abrigo. Estamos a trabalhar quer com a Segurança Social, quer com a Câmara do Porto, para a criação de apartamentos para os sem-abrigo. É um processo que decorre em paralelo com o Arrendamento Social, que está dentro de um programa mais vasto de reabilitação Urbana, que envolve mais de cem edifícios da Santa Casa que precisam de ser reabilitados e que vão ser reabilitados tendo em vista públicos-alvo – cidadãos com mobilidade reduzida, estudantes, idosos. Públicos muito identificados e circunscritos, neste caso, precisamos de uma verba avultada: 100 milhões de euros. Procuramos financiamento que pode passar por programas de reabilitação urbana e fundos comunitários.