Quando entrou no orfanato de Hamro Ghar, no Nepal, passaram apenas alguns minutos até ser rodeada pelas 14 crianças que ali viviam. Todas estavam sedentas de abraços.
“Entrei em pânico. Nem percebia bem o que estava a acontecer”, recorda Carolina Cruz, 27 anos, com o olhar perdido nas memórias que guarda do Nepal, Índia e Tibete, onde passou o ano de 2010. “Aquelas crianças não tinham mãe nem pai, e foram forçadas a criar outros laços de amor”, explica. Depois de ter ajudado a salvar da cegueira Ragib, um menino de 7 anos, com o apoio da Fundação Champalimaud, passaria a ser chamada de sapana (sonho, em nepalês) por aquelas crianças. A mesma palavra dá nome à empresa social em cuja criação colaborou, no ano passado. Inspirada pelo lema que a família lhe incutiu “és do tamanho dos teus sonhos”, não impõe limites à ambição: “Com a Sapana, gostava de transformar o mundo”, afirma, convicta, na sede da organização, em Lisboa.
Aos 8 anos, já dizia aos pais que queria ir para a ONU. Esse desejo cumpriu-o aos 23 anos. A passagem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), onde lidou com tráfico humano, deu-lhe vontade de fugir dos escritórios da delegação e ir para o terreno. Assim chegou ao Nepal, de mochila às costas, preparada para um ano de aprendizagem. Seguiram-se o Tibete e a Índia.
Das Nações Unidas, levava uma recomendação para colaborar com a ONG indiana All India Institute of Local Self-Government (AIILSG). “Trabalhei com casos de mutilação genital feminina. É uma imagem que não se esquece”, diz, antes de relembrar a história de uma menina, atacada com ácido pelo próprio pai, apenas por ter conversado com um rapaz.
Social e sustentável
A experiência no Oriente motivou-a a aprender mais, para dar corpo ao seu sonho.
Em 2011, estudou Empreendedorismo, Mudança Social e Inovação, na ONU, e Finanças e Estratégia, em Harvard. A Sapana nasceu no ano seguinte. Em menos de dois anos, está presente em Portugal, na Índia e prepara-se para entrar nos PALOP. Apesar de estar sedeada em Lisboa, o primeiro projeto no terreno resulta de uma parceria com a indiana AIILSG: o desenvolvimento de uma aldeia sustentável em Satara, a 100 km de Pune.
Carolina espera desenvolver parcerias com empresas portuguesas, interessadas no mercado indiano, já que a legislação local as obriga a contribuir para a comunidade.
“Para ter impacto em 125 mil pessoas, podem ser suficientes 20 mil euros”, explica a agora empresária, que pretende tornar-se numa espécie de consultora de solidariedade, capaz de elaborar as políticas de responsabilidade social de empresas.
Criar projetos que giram receita e que sirvam para financiar as iniciativas sociais da Sapana é um dos seus objetivos, para garantir a sustentabilidade, mas deixa o alerta: “É perigoso haver um limite ténue entre uma empresa lucrativa e uma empresa social.
A legislação tem de ser preventiva. Não podemos perder a essência do que nos trouxe até aqui.” Otimista, acredita que, no futuro, todas as empresas serão sociais. Em contagem decrescente para o regresso à Índia, em dezembro, Carolina manifesta-se ansiosa por voltar a tocar a raiz do seu sonho, cada vez mais real.
Portugal: Prioridade ao emprego
A Sapana está a desenvolver dois projetos de empregabilidade, a nível nacional. Este ano, estreou o programa Talentos em Livretrânsito (TLT), patrocinado pelo banco Barclays, que ensina os desempregados a serem mais eficazes na procura de trabalho. Das mais de 70 pessoas que frequentaram a formação gratuita, 67% estão a trabalhar. Em 2014, haverá 14 edições do TLT.
Depois de uma fase experimental, avança, em março de 2014, o projeto Shakespeare Atrás das Grades que, com o apoio de uma encenadora e de uma psicóloga, vai ajudar os reclusos dos estabelecimentos prisionais de Lisboa e do Linhó (Sintra) a adquirir competências sociais (como a resolução de conflitos ou a atitude empática), que contribuam para o seu sucesso futuro na procura de emprego.