Tenho um marido maravilhoso a todos os níveis. Estamos casados há cinco anos. A certa altura, passámos por uma crise e comecei a falar com uma pessoa no chat, diariamente. Sem me aperceber, fui-me envolvendo, emocional e fisicamente. Ele tem idade para ser meu neto. Sinto-me responsável pelo seu bem estar e futuro. Consegui que ele recuperasse a autoestima e, até, um emprego. O meu marido descobriu. Fui sincera com ele e contei-lhe tudo. Ele está disposto a perdoar. Condeno o meu comportamento e tento entrar no meu caminho mas não estou a ser capaz. Não queria perder o meu marido, mas estou tão confusa… Tinha uma vida maravilhosa, em paz, e hoje sinto-me vazia. Quando falo à tal pessoa em cada um seguir o seu caminho, diz-me que a vida dele acaba. Objetivamente, sei que não, mas não consigo fazer-lhe mal. Estarei a ser alvo de chantagem emocional por parte do miúdo? Como devo fazer este afastamento?
Alice, Porto
A Alice condena a sua atração por uma pessoa mais nova e a infidelidade que o seu marido está disposto a perdoar. É natural que se sinta a vilã. Aquela que tenta “entrar no seu caminho” e fica confusa por continuar a desviar-se dele. Ou que experimenta este impasse como chantagem emocional, considerando-se alvo/vítima – e não agente – dela.
Por estar com manifesta dificuldade em optar por qual das duas vias seguir – agora que ambos sabem da existência do outro e que, antes disso, lhe davam a impressão de ter uma vida maravilhosa – é provável que se sinta impelida, sem consciência disso, a projetar a culpa que sente para o “elo mais fraco”. Neste caso, a pessoa que está no papel do “outro”, o amante. De quem urge afastar-se, em nome da segurança prometida pelo marido compreensivo. Ou talvez não, pela sensação de vazio de que se queixa, e que será prévia à procura da terceira pessoa, que a Alice tem vindo a “ajudar”. Talvez por, dessa forma, se ajudar a si, a sentir-se melhor e com mais autoestima.
Ao afirmar que não consegue fazer-lhe mal [ao amante], deixa implícita a ideia de que a melhor opção seria manter tudo como estava antes (manter o casamento e “não fazer mal ao miúdo”). E que, para mudar, alguém sairá magoado (ou excluído da equação). Nem que, para isso, seja preciso pintá-lo de negro, como chantagista ou abusador.
Sendo todos adultos, e a Alice responsável, acima de tudo, por si e pela sua autoestima, fará sentido perceber que funções ou papéis estas duas presenças jogam na sua vida, que parece estar dividida internamente, sendo eles, os dois homens, o rosto de duas partes de si, com as quais parece incapaz de lidar.
Em última análise, há sempre a hipótese de estar só durante um tempo para esclarecer essa confusão interior, que muito oportuna e lucidamente refere. Tal como na relação que estabelecemos com todos os prazeres da vida, ser responsável e consequente acerca do que necessita na sua vida, é o que lhe vai devolver a tal paz de espírito. Independentemente de cada um dos seus dois homens – os seus “amores” (ou “dores”?) – e das expectativas que tenha acerca deles.