Tem uma mania: não se senta onde se sentaram os antecessores.
Literalmente. Eleito provedor da Misericórdia do Porto em finais de 2010, não se limitou a uma dança de cadeiras: trouxe a sua.
“A minha cadeira é a minha cadeira.” Pode ser superstição ou no assento estar toda uma filosofia, mas António Tavares, provedor da Santa Casa, 52 anos, é mais conhecido pela faceta organizada e metódica.
Devoto das novas tecnologias ou não fosse ele o CEO do Parque Tecnológico da Maia este gestor também licenciado em Direito e a terminar um doutoramento em Ciência Política, cumpre o primeiro mandato à frente de uma instituição pesada, poderosa e influente, cujos 513 anos de história nem sempre geraram boas notícias.
“Durante muito tempo, a Santa Casa esteve controlada por uma espécie de Comité Central do Partido Comunista da União Soviética e pouco habituada a prestar contas.
De repente, veio a Perestroika. E as pessoas estão a gostar”, garante.
Quem com ele trabalha no número 5 da Rua das Flores, na zona histórica do Porto, sabe que este militante do PSD não olha a cores partidárias: tem um chefe de gabinete socialista e a garantia de que figuras tão diversas como Artur Santos Silva, Miguel Relvas ou Jaime Gama lhe atendem o telemóvel sem reservas. Também desalinha do discurso fácil da caridadezinha.
“O demagogo dirá sempre que o dinheiro gasto neste ou naquele projeto faz falta aos pobres, mas os doadores da instituição sempre deram os seus meios para que fizéssemos mais e melhor.
SIMULACRO DE DEMOCRACIA?
À porta batem-lhe, contudo, realidades às quais não pode virar a cara. A pobreza moral e real. O aumento do número de mulheres sem eira nem beira, a quantidade de famílias vergadas a patamares indignos da escala social. “É a pior altura para ser provedor. Temos uma sociedade doente e tudo desagua aqui.” Em tempo de troika e retóricas à volta da austeridade, António Tavares lida com sobrevivências que reclamam respostas. A Misericórdia tem algumas, da Chave de Afetos (apoio domiciliário aos idosos) ao Banco de Vestuário (recolha de roupa), passando pelo Hotel Social, que arrancará em breve para dar guarida aos sem-teto. “Parece um contrassenso, mas, apesar de tudo, há menos egoísmo e as pessoas voltaram a fazer doações.
No ano passado, recebemos mais de um milhão de euros em dinheiro e património “, refere. Para este ano, Tavares tem cerca de cem milhões de euros para gerir, mas há que buscar soluções noutro lado.
“O País precisa de historiadores, mais do que de economistas, como já ouvi dizer a um tipo de Harvard”, atira, explicando a urgência de antecipar fenómenos.
Perto da vista, ele tem as histórias da rua e os dramas da vida real que todos os dias chegam à Santa Casa, mas continua sem perceber o guião do Governo para resgatar a esperança. O dinheiro do Plano de Emergência Social “ainda hoje não chegou a muitas instituições” e o Estado tarda em retirar-se das áreas “onde outras entidades poderiam ajudar a manter um sistema social coerente, com garantias constitucionais, e sem custo acrescido para os cidadãos “. O perigo, esse, está mesmo ao virar da esquina. “No dia em que entregarmos a Saúde às empresas e aos bancos, esqueçam o Estado Social. E isto é apenas um exemplo”, avisa. A fazer fé no discurso da maioria governamental, a receita para Portugal entrar nos eixos inclui pai austero e sacrifícios. O provedor teme a cartilha.
E os resultados. “Era bom que, pelo menos, alguém dissesse que País queremos. Já basta termos chegado atrasados a todas as revoluções.” Antigo deputado e ex-dirigente social-democrata “já fui o cúmulo do aparelho, mas sempre a pensar pela minha cabeça” António Tavares decidiu manter, nos anos mais recentes, uma distância higiénica da política partidária pura. “A minha participação cívica não tem de resumir-se à secção x do partido y a aturar uns tipos a quem não reconheço estatuto intelectual. Há outras ferramentas para intervir”, resume Tavares, que mantém a coordenação do clube de reflexão política Via Norte e anda apreensivo por ver os equilíbrios sociais do País corroídos: “O primeiro-ministro que se cuide. As pessoas estão nos limites e ele arrisca-se a enfrentar respostas antidemocráticas. Portugal vive um simulacro de democracia e continua sem mexer em vários interesses.” O melhor governante será, pois, “aquele que consiga exercer a função sem estar refém de grupos ou corporações”, alerta, censurando o desfile de “empresários da política que, servindo-se da causa pública, fazem o seu percurso empresarial e têm níveis de vida superiores aos rendimentos”.
OS TRÊS T´S
Por via do ofício, Tavares gere o segundo maior património da cidade, dois hospitais incluídos, e uma agenda vertiginosa, na qual ainda consegue encaixar a frequência do curso de auditores de Defesa Nacional e almoços com Sobrinho Simões para garantir a colaboração do cientista neste renascimento da Misericórdia. O cargo é exercido pro bono e, mesmo em tempo de contenção, o provedor quer a Misericórdia cúmplice do empreendorismo social, atenta “aos novos fenómenos e formas de organização das pessoas”. As circunstâncias históricas ajudam: “O Porto tem, hoje, um bispo com uma visão mais aberta, homem de cultura e aliado desta mudança.” Tavares propõe-se, pois, colocar a tradição da Santa Casa na rota “das economias locais mais vivas”, onde abundam jovens cosmopolitas, migrantes e criativos. São eles que trazem às cidades “talento, tecnologia e tolerância”. E emprego, acrescenta.
Pelo menos, se forem apoiados e bem-sucedidos nas suas ideias. “É a tal geração que o Governo manda emigrar”, ironiza.
Se o obrigassem a resignações assim, António Tavares nem sequer tinha aquecido a cadeira.
‘Câmara do Porto? Porque não?’
Provedor não quer tirar o sono a eventuais candidatos do PSD à autarquia, em 2013, mas não se exclui do cenário
“Sou um cidadão atento à minha cidade. Se alguns puderam aspirar a determinadas coisas, por que razão não devo também encarar essa possibilidade?” Esta é a forma de António Tavares reagir à hipótese de uma candidatura à Câmara do Porto, em 2013, ano em que termina o seu mandato na Santa Casa. “Se tivesse um projeto pessoal, não tinha abandonado o Parlamento.
A Misericórdia dá-me gozo. Fora disso, intervenho no que me deixam”, explica, ironizando: “Os próximos tempos vão ser conturbados e se dissesse já que o assunto me interessava poderia perturbar o sono a algumas pessoas. Vamos deixá-las dormir sossegadas.” Este antigo secretário-geral da JSD, ex–deputado e agora membro do Conselho Consultivo do PSD-Porto considera que o futuro da Invicta passa por um olhar mais metropolitano, pois “os cidadãos de Porto e Gaia não são culpados da má relação pessoal entre Rui Rio e Luís Filipe Menezes”. Muita água passará, entretanto, por baixo das pontes.
“Para mim, não é líquido que Menezes se candidate à Câmara do Porto e ganhe. E, já agora, gostava de saber o que é que o CDS pensa disso…”, desafia.
Mexer com a cidade
Conheça três ideias da Santa Casa para a Invicta
MMIPO, MUSEU INTERNACIONAL
Será o primeiro museu internacional, na zona histórica. Bebeu inspiração no MOMA de Nova Iorque e a decisão resultou em algo sem fronteiras ou barreiras de língua: vai chamar-se MMIPO, sigla de Museu da Misericórdia do Porto. “Tem outra sonoridade, o que será importante para promovê-lo no estrangeiro”, crê António Tavares. Ao contrário do que possa pensar-se, boa parte das obras a exibir no museu não são arte sacra. “E a maioria nunca foi vista em público.” Há, desde logo, cerca de 400 retratos, que o secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, já manifestou interesse em incluir numa exposição nacional de retrato. A obra de referência do MMIPO será, contudo, o Fons Vitae, pérola da pintura quinhentista flamenga, muito estudado por investigadores estrangeiros. “É tão importante para nós como a Gioconda para o Louvre”, refere o provedor. O museu vai nascer nas atuais instalações da Santa Casa, junto da Igreja da Misericórdia, com dedo de alunos de belas artes e arquitetura.
Incluirá um restaurante nas traseiras e deverá ser inaugurado no início de 2013.
O património do futuro MMIPO estará em destaque numa das próximas edições da Art News, a mais antiga e lida revista de arte do mundo, com 200 mil leitores espalhados por 123 países.
JAMIE OLIVER NA BAIXA?
A ideia seria replicar o restaurante Fifteen, da fundação do conhecido chef Jamie Oliver, no coração da cidade, tendo a Misericórdia do Porto como parceira. Para já, existem dois em Inglaterra (Londres e Cornwall) e outro na Holanda (Amsterdão). Todos com cunho social: garantir trabalho a jovens desempregados, dar-lhes competências e inspirá-los para a descoberta de novos sabores e experiências gastronómicas. Para já, decorrem conversações com os representantes do cozinheiro mais pop do momento a outra hipótese é a Beyond Food Foundation, do chef Simon Boyle e há dois edifícios em vista para instalar o restaurante, ambos propriedade da Misericórdia e situados na zona mais in da movida portuense: um, na esquina das ruas Cândido dos Reis com a Galeria de Paris; o outro, a poucos metros, num edifício arte nova.
“É um projeto que se enquadra no objetivo de inverter o ciclo de pobreza: formar jovens desamparados e atrair uma clientela disposta a gastar dinheiro em algo que cria riqueza”, explica António Tavares.
PRELADA: VERDE QUE TE QUERO SERRALVES
Da decadência ao fecho do parque de campismo passaram anos. Do tamanho de seis campos de futebol, com o maior labirinto verde da Península Ibérica, o Parque da Prelada voltou a abrir portas timidamente, há menos de um ano, para iniciativas esporádicas. Agora, vai ser de vez. Recuperado o edifício principal, uma casa do século XVIII, de Nicolau Nasoni onde será instalada a biblioteca e arquivo da Misericórdia e estando em curso a revitalização dos jardins e da tradição das camélias, António Tavares deseja que a Prelada, mesmo atravessada pela Via de Cintura Interna, “se transforme numa mistura de Parque da Cidade e Serralves, ou seja, num sítio onde a cultura e o lazer se encontrem”. Traduzindo: “Estamos abertos à realização de concertos e outros eventos artísticos. Haverá, também, atividades relacionadas com o hipismo, através de um protocolo com o Sport Club do Porto. Quero tudo pronto em setembro”, afirma o provedor.
No total, os investimentos no MMIPO e na Prelada rondam os 5 milhões de euros. Dinheiro próprio.
“Do QREN, para já, não vimos um tostão.”