Vários cientistas estão a alertar para as consequências nefastas do aumento da poluição luminosa, criada pelo excesso de luz artificial e muito comum nas grandes cidades, que pode fazer com que, em duas décadas, não seja mais possível observar estrelas, com a maioria das principais constelações a tornar-se indecifrável.
Apesar disso, os especialistas defendem que este tipo de poluição, que cria problemas não só ao nível da observação das estrelas, como ecológicos e de saúde, ainda não é entendido como uma ameaça e, portanto, o trabalho que deve ser feito neste sentido está longe de ser concretizado.
Uma investigação de Christopher Kyba, físico do Centro Alemão de Geociências, revelou que a poluição luminosa está a clarear o céu noturno cerca de 10% por ano, e que este aumento está a fazer com que possamos deixar de observar todas as estrelas, exceto as mais brilhantes, em apenas uma geração.
Há sete anos, os cientistas já tinham concluído que a Via Láctea, galáxia em que nos inserimos, já não era visível para um terço da população mundial. O mesmo relatório de 2016 dava conta de que a poluição luminosa tinha um impacto de mais de 80% na capacidade de a população mundial observar o céu noturno, e o cenário tem piorado cada vez mais.
Isto deve-se, de acordo com os especialistas, ao aumento “dramático” do uso de diodos emissores de luz, conhecidos por LED, mas também de outras formas de iluminação nas grandes cidades, para diferentes fins, que estão a dificultar a observação do céu noturno.
Em declarações ao The Guardian, o astrónomo Martin Rees, ex-presidente da Royal Society (entre 2005 e 2010) e um dos fundadores do comité parlamentar britânico para resolver questões relacionadas com os céus noturnos, afirma que “o céu noturno faz parte do nosso meio ambiente e seria uma grande privação se a próxima geração nunca o visse, assim como seria se nunca visse um ninho de pássaro”, acrescentando que a perda não será apenas para os cientistas, mas para todos. “Não precisamos de ser astrónomos para nos preocuparmos com isto”, refere.
Um relatório de 2020 realizado pelo mesmo comité sugeria várias medidas para combater os efeitos da poluição sonora, incluindo a nomeação de um ministro próprio para tratar temas relacionados com os céus noturnos.
Ao mesmo jornal britânico, Kyba explica que “o que antes era universal, agora é extremamente raro”. “Apenas as pessoas mais ricas do mundo, e algumas das mais pobres, ainda o vivenciam. Para o resto, está mais ou menos acabado”, afirma, referindo-se à observação das estrelas.
O especialista acredita, contudo, que implementar algumas políticas de mudança na iluminação noturna das grandes cidades, como a limitação do brilho e a utilização de cores mais quentes, como o vermelho e o laranja, em vez do azul e branco, pode ter um “impacto enorme” na capacidade de observarmos o céu noturno, mas também a outros níveis.
“Quando a luz avermelhada penetra nos nossos corpos, estimula mecanismos, incluindo os que quebram altos níveis de açúcar no sangue ou os que aumentam a produção de melatonina”, explica Robert Fosbury, professor do Instituto de Oftalmologia da University College London (UCL), em Londres, Inglaterra. “Desde a introdução da iluminação fluorescente e, posteriormente, dos LED, essa parte do espectro foi removida da luz artificial e acho que está a desempenhar um papel no aumento de casos de obesidade e de diabetes que vemos hoje”, acrescenta.
O investigador afirma ainda que “será necessário um grande esforço para transformar as luzes LED numa iluminação mais amigável”. Vai ser um grande trabalho, mas precisamos de fazê-lo porque está a ter um efeito muito prejudicial à saúde humana”.
De acordo com os cientistas, também os efeitos ecológicos da poluição luminosa são enormes. Por exemplo, para as aves migratórias e tartarugas marinhas, que se orientam pela Lua, a poluição luminosa pode fazer com que fiquem desorientadas e se percam. Já os insetos, uma importante fonte de alimento para pássaros e outros animais, são atraídos pelas luzes artificiais e morrem desta forma.