Não faz o que lhe mandam? Tem uma necessidade quase compulsiva de se rebelar? Talvez tenha um problema de autoridade. E, isso não é, necessariamente, uma coisa má. Quem o diz é Todd Kashdan, professor de psicologia na Universidade George Mason, que escreveu o livro “Atreve-te a Pensar pela Tua Própria Cabeça”, que aborda a insubordinação, mais especificamente de insubordinação de princípios.
A timidez, o medo do ridículo, a pressão social e a hierarquia são fardos pesados que afetam a autoconfiança e que gradualmente sufocam a criatividade e capacidade de insubordinação. O livro de Todd B. Kashdan promete ajudar a perder o medo, a pensar pela nossa própria cabeça e expressar a nossa opinião, seja na esfera pública ou numa reunião de trabalho.
As coisas estranhas que fazemos para agradar
Como qualquer criança experiente em jogar basquetebol no recreio lhe poderá explicar, há uma forma simples e uma menos simples de lançar a bola da linha de lance livre. A forma simples é lançá‑la por baixo. Está a mais de quatro metros do cesto. Não tem ninguém a marcá‑lo (os outros jogadores estão imóveis, à espera que lance). Embala a «redondinha» (como os jogadores profissionais chamam à bola de basquetebol) entre as pernas, para a frente e para trás, e liberta‑a para que faça um arco em direção ao cesto. Não é bonito, mas, f*#a‑se, resulta. Um dos maiores jogadores de todos os tempos da National Basketball Association, Rick Barry, presente no Hall of Fame, fez lançamentos livres assim, incrivelmente acertando 90 por cento das vezes ao longo de uma carreira de dez anos na NBA. Nas duas últimas épocas, fez 322 lançamentos livres e falhou apenas 19, uma incrível taxa de sucesso de 94,1 por cento. Por comparação, o maior jogador de basquetebol da atualidade, LeBron James, falhou 132 lançamentos por cima numa única época, uma taxa de sucesso de 73,1 por cento.
A forma menos simples (e, de acordo com diversos cientistas desportivos, menos eficaz) de fazer um lançamento livre é fazê‑lo por cima. Agarra a bola com as duas mãos e ergue‑a ao nível dos olhos, com uma mão a suportar a bola e a outra a equilibrá‑la no ar. Fitando o cesto atentamente, roda o pulso da mão que suporta a bola para que esta voe até ao cesto. As suas mãos trabalham em conjunto, mas apoiam pesos diferentes e desempenham diferentes tarefas. Depende na primeira instância da mão que lança a bola para a empurrar com força suficiente enquanto usa a outra como guia. Para uma trajetória ideal, enquanto o seu pulso roda e a bola suavemente rola sobre os dedos, a bola deverá sair para cima em arco num ângulo entre 45 e 52 graus. Se a bola girar para trás, a velocidade e a energia diminuem ao tocar no aro do cesto – o que resulta num lançamento mais fraco que poderá fazer ricochete ao bater na tabela e cair. Poderia continuar, mas já percebeu a ideia. Divida em compartimentos a mecânica de um lançamento livre e torna‑se uma experiência avassaladora de física. Não admira, portanto, que muitos jogadores fantásticos não consigam dominá‑lo. Wilt Chamberlain, presente no Hall of Fame, só concretizou 51,1 por cento dos lançamentos livres que teve na sua carreira. Shaquille O’Neal, também no Hall of Fame, apenas 52,7 por cento.
Dado o enorme sucesso de Rick Barry nos lançamentos livres, seria de pensar que uma grande parte dos jogadores profissionais e universitários tentariam esse método, especialmente aqueles que, apesar de horas de treino, continuam a não valer nada nos lançamentos por cima. Mas não é assim. Em 35 anos, nem um único jogador da NBA se dirigiu a Rick Barry para pedir dicas sobre lançamentos livres. No basquetebol
universitário, apenas dois jogadores executam o lançamento simples, por baixo, e um deles é filho de Rick Barry. O mundo do basquetebol considera o lançamento por baixo como «à menina» ou «à avozinha», por isso os jogadores estão demasiado constrangidos para o fazer. O grande antigo jogador da NBA Shaquille O’Neal, famoso pelos seus fracos lançamentos livres, afirmou que «preferia acertar zero por cento dos lançamentos do que lançar por baixo. Demasiado fixe para isso». Outro mau jogador nos lançamentos livres, Andre Drummond, recusou sem sombra de dúvidas adotar o lançamento à avozinha. «Deixem‑me esclarecer», disse ele. «Não vou fazer lançamentos por baixo.»
Em sua defesa, Wilt Chamberlain tentou fazer alguns lançamentos por baixo na época de 1962, depois de dez anos de carreira. Correu espantosamente bem. Alcançou um recorde da liga de 50,4 pontos por jogo nessa época e melhorou a sua percentagem de lançamentos livres, passando de uns miseráveis 38 por cento para uns não espetaculares, mas ainda assim respeitáveis, 61 por cento. Num jogo memorável, conseguiu cem astronómicos pontos, concretizando 28 de um total de 32 lançamentos livres. Mas em vez de continuar a fazer lançamentos da maneira simples, voltou aos lançamentos por cima. A percentagem de sucesso diminuiu de novo. Por que razão haveria de ter voltado ao que não resultava? «Sentia‑me pateta, como um mariquinhas, quando lançava por baixo», explicou na sua autobiografia. «Sabia que estava errado. Sabia que alguns dos melhores jogadores em lançamentos livres lançavam assim. Mesmo atualmente, o melhor lançador da NBA, Rick Barry, faz lançamentos por baixo. Mas eu não conseguia fazê‑lo.»
Pense nisso por um minuto. Os jogadores de basquetebol profissionais recebem somas exorbitantes para marcar pontos e ganhar jogos. Wilt sacrificou pontos, falhando assim aos colegas e desapontando os fãs, apenas para evitar parecer pateta. Milhares de jogadores profissionais e universitários fizeram o mesmo. Um jogador mediano da National Basketball Association encesta 75 por cento das vezes, enquanto um universitário 69 por cento. Não é mau, mas não se compara ao fenómeno Rick Barry. E estas médias não melhoram há décadas. Por mais talentosos que possam ser, estes jogadores não tiveram tomates para ir contra a norma e adotar um ato simples de insubordinação com princípios que iria melhorar o seu desempenho.
Não podemos condenar os jogadores de basquetebol. Atos corajosos de inconformidade são tragicamente raros. Sabemos os nomes de grandes contestatários e renegados como Nelson Mandela, Susan B. Anthony, Harriet Tubman, Leonardo da Vinci, Martha Graham e Jesus, não apenas pelos seus sucessos, mas porque estavam entre os relativamente poucos da sua geração a rejeitar o pensamento convencional e a procurar o progresso.
Nas décadas recentes, os psicólogos sociais e académicos doutras disciplinas escreveram crónicas sobre quão poderosa é a nossa tendência para nos conformarmos. Os cientistas aprofundaram a dinâmica emocional específica que nos leva a fazer coisas estúpidas e autodestrutivas apenas para que gostem de nós. Antes de analisarmos a forma de quebrar com as convenções da maneira mais eficaz, é preciso percebermos por que razão lutamos para reunir coragem para contrariar as convenções e por que motivo é tão difícil convencer os outros a questionar normas e práticas desatualizadas e indesejadas.
AS VANTAGENS DA «VELHA GUARDA»
Este inimigo pode ser mais persuasivo do que pensa. De facto, pode arrebatar a última pessoa que alguma vez pensaria poder ser a vítima: você. Há gente que age como lémingues e se atiraria de um penhasco se isso fosse senso e prática comum. Mas você não. Você lê. Você questiona. Você critica. Você analisa. Você arrisca. Você pensa de forma diferente.
Costumava ver o mundo desta forma, até me deparar com um estudo de Scott Eidelman, da Universidade do Arkansas, e de Chris Crandall, da Universidade do Kansas, sobre a forma como tomamos decisões sobre o valor de ideias ou práticas. Num dos estudos, os investigadores disseram a diferentes grupos de participantes que a acupunctura já existia há 250, 500, 1000 e 2000 anos, respetivamente. Quando os participantes tinham em mente que a acupunctura já existia há mais tempo, sentiam‑se mais confiantes de que era «uma boa técnica» e «deveria ser usada para aliviar a dor e restabelecer a saúde». Os participantes pensavam ter desenvolvido uma análise racional dos benefícios da acupunctura. Na verdade, os participantes fizeram o seu julgamento baseado essencialmente na antiguidade ou no quão aceite a prática era. O apelo da acupunctura aumentava em cerca de 18 por cento se os participantes soubessem que era antiga, sem terem qualquer tipo de informação sobre se funcionava. Por muito experientes no pensamento crítico que pensemos ser, os humanos têm uma preferência geral pelo statu quo enraizado.
Noutro estudo, os investigadores disseram a um grupo de participantes que um quadro tinha sido criado há um século e a outro grupo que tinha apenas cinco anos de existência. Os participantes que pensavam que a arte era mais antiga consideraram‑na de mais alta qualidade e mais agradável. Ainda noutro estudo, os cidadãos dos Estados Unidos sentiam‑se mais inclinados a apoiar o uso de técnicas violentas em interrogatórios a suspeitos de terrorismo no Médio Oriente se lhes dissessem que essas técnicas tinham sido prática militar comum durante quarenta anos, ao invés de algo novo. Esta conclusão aplicava‑se tanto a liberais como a conservadores.
Racionalizamos o estado presente das coisas quando sentimos que uma situação indesejada é «psicologicamente real». Pense na estranha mudança de espírito dos eleitores desde o momento em que um candidato ganha as eleições até ao dia da tomada de posse – que marca o primeiro dia da presidência. Num extraordinário estudo longitudinal, a Dr.ª Kristin Laurin, da Universidade da Colúmbia Britânica, descobriu que até os americanos que não gostavam e não votaram no presidente o viam progressivamente de forma mais positiva. O poder da «realidade psicológica» vai além de eleições. Algo estranho aconteceu a partir do momento em que, em 1954, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos declarou inconstitucional a segregação racial. Até os estudantes numa universidade integralmente constituída por negros e que «inequivocamente se opunham à segregação» tiveram progressivamente sentimentos negativos em relação à existência de universidades integralmente negras depois, em comparação com umas semanas antes, da decisão legal. A Dr.ª Laurin sugeriu que «é este sentido da realidade – o reconhecimento de que a situação tem efeitos imediatos nas suas vidas – que leva as pessoas a racionalizar». Sentir a «realidade psicológica» e as consequências inevitáveis da situação presente leva‑nos a trocar a resistência por um novo trio de comportamentos: conformismo, racionalização e legitimação.
O PORQUÊ DE A MAIORIA NÃO DESENCADEAR REVOLUÇÕES
Uma coisa é ter uma ideia preconcebida acerca do senso comum estabelecido em assuntos como acupunctura, arte ou tortura, que não têm assim tanto impacto direto nas nossas vidas. Mas a nossa motivação para o conformismo é tão poderosa que nos impele a aceitar sistemas e regimes estabelecidos que nos afetam e, realmente, nos oprimem. Enquanto candidato presidencial em 2015, Donald Trump expressou desdém pelos imigrantes mexicanos, dizendo: «Quando o México envia as suas gentes, não enviam o melhor. Enviam pessoas que têm muitos problemas… Eles trazem drogas. Trazem criminalidade. São violadores.» Seria de pensar que, ao ouvir tal coisa, os hispano‑americanos ficassem chocados (sobretudo porque 76 por cento dos hispânicos são mexicanos), mas não ficaram. Mais de um quarto do total concordou com a afirmação de Trump.
Um inquérito a 6637 adultos escolhidos aleatoriamente nos Estados Unidos apurou que 33 por cento dos negros consideraram não ser tratados de forma pior do que os brancos pelo sistema criminal de justiça. Isto parece razoável – até termos em conta que o sistema criminal de justiça americano tem uma longa e sórdida história de discriminação contra a população negra e que ainda hoje é talvez o exemplo mais claro e moderno do racismo institucionalizado. De acordo com quarenta anos de registos independentes do Departamento de Justiça Norte‑Americano, os adultos negros têm quase seis vezes mais probabilidade de serem presos do que os brancos. Embora só representem 13 por cento da população, os negros contabilizam mais de 33 por cento dos prisioneiros de Estado e federais. E, no entanto, 41 por cento dos negros sondados em 2001 disseram ser tratados de forma idêntica aos brancos ou que os brancos eram aqueles que eram tratados injustamente. Inquéritos realizados desde então apresentaram os mesmos resultados.
Se se sente tentado a recriminar os negros e os hispânicos por desvalorizarem um sistema que os oprime, faça‑me um favor e preste atenção aos preconceitos psicológicos que estão aqui em causa. Todos temos
tendência a apoiar os sistemas dentro dos quais nos inserimos, até mesmo aqueles que nos prejudicam. Desde os seus primórdios, a psicologia tem lutado para explicar esta tendência. Os professores John Jost, da Universidade de Nova Iorque, e Mahzarin Banaji, da Universidade de Harvard, abriram o caminho ao apresentar uma teoria de justificação do sistema. Como notaram, as pessoas sentem um conflito interno quando os sistemas onde se inserem as tratam de forma indiferente ou as oprimem. As pessoas movem mundos e fundos para racionalizar e proteger um sistema social que as prejudique. As pessoas mais desfavorecidas tendem a fazer tanto (ou mais) para afirmar a validade de um sistema do que aquelas que ocupam posições privilegiadas dentro do mesmo sistema.
Como explicou o Dr. Chuma Owuamalam, da Universidade de Nottingham, rejeitar por completo um sistema é coisa séria, um passo que normalmente é demasiado grande até para as pessoas mais desfavorecidas que nele existem. «A alternativa a aceitar um sistema social é rejeitá‑lo», escreveu Owuamalam. «Na maioria dos casos, uma rejeição desse tipo será provavelmente vista como irrealista por implicar uma revolução e anarquia que poderá invocar um maior nível de incerteza e ameaça do que a alternativa de lidar com a divergência. Como tal, as pessoas que estão integradas nas suas identidades e interesses de grupo poderão escolher explorar todas as opções antes de considerar o papel revolucionário da rejeição do sistema.»
Cidadãos com ligações ao México, visados nos comentários de Donald Trump, querem acreditar que a sua casa nos Estados Unidos é um lugar onde se sentem seguros, protegidos e que lhes transmite dignidade. A partir do momento em que tem família, amigos e talvez um emprego, deixar os Estados Unidos não é uma opção simples e realista. Uma forte dependência do sistema leva as minorias numéricas de uma sociedade a respeitar o statu quo e até a aceitar princípios, normas e regras que os oprimem e os prejudicam.
Ao longo do último quarto de século, os psicólogos produziram um extenso trabalho de investigação que corrobora a teoria da justificação do sistema, esclarecendo a nossa tendência para defender e apoiar sistemas opressores. Parece que uma viragem repentina de impulsos racionais e irracionais leva à nossa lealdade contínua às práticas comuns e de longa duração quando podem existir alternativas melhores. Para ser conciso, retirei da literatura disponível alguns mecanismos‑chave que nos levam ao conformismo na maioria dos casos.
1. Sentimos conforto na familiaridade do statu quo
Gostamos de acreditar que temos controlo sobre as nossas vidas. Queremos sentir que estamos no comando, que decidimos o que nos acontece, ao invés de sermos apenas peões empurrados e puxados por forças externas. Furacões, ataques terroristas e outras crises abalam a nossa confiança num mundo previsível e estável. Até na dita vida «normal», há tanto que foge ao nosso controlo. Quando o passageiro que se sentou ao nosso lado num voo completamente cheio começa a tossir violentamente enquanto come uma pungente sanduíche de manteiga de amendoim e cebola crua, não há muito a fazer. A Mãe Natureza, maus condutores na autoestrada, o seu vizinho do lado ser membro do clube dos mais idiotas, erros que tenha cometido no passado, tudo o que tenha acontecido no passado – não pode controlar nada disto.
Privados do controlo, tendemos a procurar conforto no que é familiar, e bem assimilado nas nossas vidas, porque nos oferece um sentido de estabilidade e segurança. Desta forma oferecemos relativamente pouca resistência a sistemas que já existem, como os governos, as religiões e as corporações até aqueles que nos
oprimem. Num estudo, os investigadores pediram a um grupo de participantes que se sentissem momentaneamente impotentes e refletissem sobre um incidente do passado em particular onde não tivessem tido controlo. Outro grupo de participantes recebeu instruções para imaginar um futuro onde incidentes incontroláveis acontecessem– também eles se sentiram temporariamente impotentes. Os investigadores, então, aferiram a vontade dos participantes em defender a sociedade existente e os seus feitos ou os argumentos sobre as lacunas e a necessidade de reforma da mesma. Comparados com o grupo de controlo, os participantes que sentiram a perda de controlo pessoal estavam mais dispostos a defender a sociedade existente e os seus feitos. Os investigadores registaram o aumento da vontade de defender
o poder instalado em 20 por cento.
Na procura de um sistema sensato e coerente, aceitamos muitas vezes consequências danosas ao invés de avançar com dificuldade pelos sentimentos de incerteza. Quando nos sentimos impotentes, não confiamos apenas em líderes que prometem lei e ordem. Tentamos rodear‑nos de pessoas que defendam o sistema contra detratores críticos. Procuramos afirmar a nossa crença fundamental de que o mundo está a progredir lindamente e que, portanto, não precisamos de remover as figuras de autoridade nem de desafiar as normas existentes.
2. Confrontados com as ameaças do sistema, batemos continência
No dia 10 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush detinha uma taxa de aprovação de 51 por cento, com 38 por cento dos norte‑americanos afirmando que não gostavam da forma como ele geria a presidência. Apenas duas semanas depois, à luz dos ataques de 11 de setembro, a taxa de aprovação de Bush subiu para 90 por cento, o mais alto nível de apoio à presidência desde que a Gallup começou a registar esta informação nos anos 30. Permaneceu alto durante dois anos antes de retroceder para o valor anterior. Os conservadores aumentaram um nível já alto de apoio a um presidente conservador, enquanto os liberais mostraram apreço pelas políticas que iam contra os seus próprios valores.
Eventos que colocam em risco a sobrevivência do grupo do qual dependemos tendem a desencadear uma reação defensiva. O nosso impulso inicial é proteger o que gostamos, sobretudo se o agente do ataque é um forasteiro. Poucos fatores são tão eficazes a unir as pessoas do que uma némesis em comum. Ficamos zangados com o forasteiro. Partilhamos a nossa consternação com os outros elementos do grupo. E apoiamos os poderes que estão dentro do sistema. Restabelecer a força de um sistema sob ataque parece uma causa meritória. Mesmo que nos sintamos ambivalentes, há tempo e lugar para criticar, e não é este.
Agora estamos em modo Defensor Orgulhoso. Ou gostas ou pões de parte.
As autoridades e as organizações evocam muitas vezes intencionalmente ligações simbólicas a sistemas dominantes e poderosos como forma de apoiar a sua legitimidade. Sabem que as pessoas facilmente seduzidas pelo fervor patriótico esquecerão facilmente que o sistema que estão a justificar é o mesmo que as tem privado e prejudicado. A presença de ameaças ao sistema e as reações que temos baseadas na nossa identidade têm um papel importante ao explicar a razão de os seres humanos favorecerem o statu quo, incluindo os próprios regimes que comprometem o nosso bem‑estar.
3. Sentimo‑nos dependentes do statu quo
Se já cumpriu pena na prisão sabe que as hipóteses de sobrevivência aumentam exponencialmente se estiver filiado a um gangue. Coloque‑se ao lado de um grupo de pessoas, usando as cores certas ou exibindo as tatuagens condizentes, e outros potenciais assassinos irão associá‑lo ao gangue. Vai beneficiar de proteção suficiente para caminhar sem receios pelos corredores do refeitório e no pátio exterior. Pode até conseguir deitar‑se à noite na cama sem sofrer às mãos de outro prisioneiro. Ao juntar‑se ao gangue, entra numa relação dependente com o grupo e vai sentir‑se reticente em verbalizar preocupações acerca das suas regras, da hierarquia e da liderança. Este gangue mantém‑no vivo e seguro. Os membros do gangue poderão tratá‑lo abaixo de cão, mas é melhor do que ser morto ou violado. E à medida que o tempo vai passando, esse gangue irá tornar‑se parte da sua identidade. Já não é apenas uma pessoa. É um membro.
O acordo com o Diabo que estabelecemos na prisão não é muito diferente daqueles que acordamos com outras hierarquias existentes nas nossas vidas. Vamos atrás do statu quo porque o grupo onde nos inserimos satisfaz as nossas necessidades básicas de sermos compreendidos, válidos e competentes. Por nos identificarmos com o grupo, já não temos de pensar por nós próprios a toda a hora: conhecer as preferências dos elementos maisimportantes do grupo torna fácil escolher o que vestir, que tipo de música ouvir, que crenças manter, que políticos apoiar e por aí em diante. O nosso sentido de pertença conforta‑nos porque sabemos que os restantes membros do grupo nos favorecerão em detrimento dos estranhos quando for necessário.
Um estudo mostrou que as pessoas estão dispostas a sacrificar compensações materiais para se sentirem ligadas a poderosas figuras de autoridade. Indivíduos que sejam pobres, não tenham educação e vivam em bairros infestados de crime votarão contra os seus próprios interesses e contra a redistribuição económica se se identificarem veementemente com a nação e com o seu poder. Entendendo o país como uma extensão direta da sua própria identidade, abdicam voluntariamente dos seus interesses porque a sua ligação ao país serve outras necessidades, dando‑lhes um sentido de estabilidade, segurança e pertença, bem como uma noção estável de importância. Mantêm em mente que este é o seu país, e é melhor do que viver em países que consideram inferiores. Podem justificar a corrupção com alguns elementos maus dentro do sistema que, se gerido como deveria ser, seria o melhor de todos. O que poderia ser mais americano do que sentir‑se descontente enquanto esboça um sorriso pateta?
Os investigadores descobriram que o conformismo se intensifica à medida que as pessoas se tornam mais dependentes do sistema. Na Malásia, as autoridades maltratam regularmente as minorias chinesas presentes no país. Porque os membros desta minoria têm sucesso a nível económico, o governo malaio reserva as bolsas de estudo apenas para os malaios e não para os chineses. Graças às quotas definidas pelo governo, as universidades apenas disponibilizam um número mínimo de vagas para os cidadãos chineses. Existem empréstimos do governo para comprar casas e iniciar negócios, mas muitos estão reservados aos
malaios, não à minoria chinesa. Se for chinês e tiver sorte suficiente para conseguir um empréstimo, prepare‑se para pagar uma pequena fortuna na prestação.
Seria de esperar que a minoria chinesa estivesse furiosa. Mas não é assim. Num estudo, o Dr. Owuamalam pediu a adultos chineses na Malásia que refletissem acerca das suas desigualdades sustentadas pelo governo. Descobriu que membros desta minoria manifestavam forte apoio ao governo vigente. Porquê?
Embora os chineses fossem alvo de um tratamento inferior, dependiam do governo para os transportes, cuidados de saúde e sobrevivência no geral. Não é fácil defender os maus‑tratos quando estes vêm do sistema vigente. As minorias chinesas envolvidas neste estudo tiveram de despender um maior trabalho cognitivo do que os malaios quando lhes pediram para escrever comentários de apoio ao governo malaio. Mas por mais mentalmente desgastante que possa ser viver oprimido na Malásia, a minoria chinesa manteve um forte apoio ao governo.
Nada disto significa que as pessoas oprimidas gostem de fazer parte do sistema. Claro que não gostam. Não é fácil para uma mulher aceitar que, mesmo em 2021, o mundo empresarial ainda lide com a misoginia – altos cargos são dominados por homens, dando preferência aos amigos do sexo masculino no que toca aos planos de sucessão. E, no entanto, apesar de todas as justiças sórdidas, os Estados Unidos ainda oferecem mais autonomia, oportunidades financeiras e segurança para as mulheres do que a maioria dos outros países. Os seres humanos obtêm do mundo atual o que podem, ao invés de complicarem as suas vidas numa busca possivelmente mal 3sucedida do mundo que desejariam ter.
As pessoas acabam por expressar apreço e afeição quando são forçadas a trabalhar com um sistema social, a defender os benefícios enquanto ignoram a dor. Num estudo canadiano, os investigadores disseram aos participantes que o governo estava a restringir as leis da imigração e que eles não poderiam sair do país. Quando as pessoas acharam que era impossível escapar ao sistema, reconsideraram o sexismo endémico do Canadá. Ao invés de verem o sexismo como um problema do governo, os canadianos atribuíram‑no às diferenças biológicas entre homens e mulheres. Acreditando que não havia escapatória do Canadá, passaram de criticar para legitimar um statu quo.Os investigadores obtiveram resultados semelhantes numa experiência distinta quando disseram a estudantes universitários que poderiam ter dificuldades em fazer a transferência para outra instituição. Os estudantes universitários que pensavam que a sua universidade era um dado adquirido mostraram menos interesse e desejo em ajudar um grupo liderado por estudantes que criticava e oferecia sugestões à administração para melhorar a universidade. Os estudantes que se sentiam capazes de se transferir a qualquer momento demonstraram mais apoio ao grupo liderado por estudantes.
Restringir o movimento da população não levou a um maior escrutínio das autoridades nem do sistema que os oprime. Ao invés disso, os indivíduos defendem a legitimidade dos poderosos e dos que têm um estatuto mais elevado, com poder de decisão nas suas vidas. Pior, aqueles que eram relutantes em aceitar os problemas do sistema vigente também detinham fortes sentimentos negativos em relação aos dissidentes que faziam frente e criticavam o sistema. Quando olhamos para uma hierarquia social existente como problemática e imutável, e estamos por acaso numa posição inferior e de menor influência, possuímos
um preconceito em relação ao statu quo. Estranhamente, apoiamos políticas que perpetuam as desigualdades existentes. Acontece quando lidamos com problemas grandes, como as desvantagens económicas que as pessoas sentem na sociedade. Acontece quando lidamos com problemas mais pequenos, como quando nos sentimos incapazes de terminar uma amizade ou relação amorosa que não nos satisfaz.
4. Mantém a esperança de que melhores dias virão
A esperança é poderosa. Um estudante de uma universidade conservadora pode matricular‑se para o semestre seguinte, apesar do constante preconceito dentro da sala de aula, desde que os professores vejam sinais de progresso – como a fundação de um clube para conservadores ou uma declaração do jornal da universidade que abranja de igual modo pontos de vista liberais e conservadores. Um militar de baixa patente destacado para o estrangeiro pode reprimir o desacordo moral em relação às diretrizes de um superior se sentir que a situação vai eventualmente terminar. Podemos esperar pelo momento certo quando estamos num governo da treta se acreditarmos que a situação é temporária e que as desvantagens atuais estão a desvanecer‑se.
Quando temos esperança, não nos limitamos simplesmente a tolerar o sistema vigente, mas aceitamo‑lo, defendemo‑lo, justificamo‑lo e protegemo‑lo. A investigação do Dr. Chuma Owuamalam mostra o que acontece quando um país começa a revelar sinais de igualdade de género ao longo de 15 anos. À medida que as mulheres começam a entrosar‑se na sociedade, conseguindo maior poder de decisão e maior representação nos quadros das empresas, elas demonstram mais apoio em relação a crenças statu quo de que o género é irrelevante para as oportunidades e para o sucesso. Sentir‑se esperançado acerca da progressão ascendente ajuda a explicar porque é que as mulheres apoiam atualmente as crenças, políticas e políticos que parecem antitéticos aos seus interesses. As experiências deram origem a resultados semelhantes. Depois de saber que a sua universidade tivera uma quebra abrupta no que toca ao prestígio, os estudantes não tentaram transferir‑se nem escreveram críticas a denegrir a universidade. Desde que os estudantes acreditassem que a reputação da sua universidade melhoraria com o tempo e que o valor da sua licenciatura subiria de novo, manteriam os níveis de confiança e afeto pela sua «casa» académica.
Se pensar nisso, há algo de nobre em manter‑se fiel ao programa na esperança de um futuro melhor. Os defensores esperançosos de governos opressivos detêm um verdadeiro dom, um fator que muitas vezes prevê o sucesso educacional, financeiro e ocupacional melhor do que a curiosidade ou a inteligência. Mas não nos deixemos levar pelo nosso entusiasmo em relação à capacidade de suportar um sistema que nos prejudica.
Diga‑me quais das seguintes sete afirmações o descrevem com precisão?
1. Sempre senti que podia fazer com a minha vida basicamente o que bem entendesse.
2. A partir do momento em que decido fazer alguma coisa, mantenho a ideia até terminar a tarefa.
3. Quando as coisas não correm como quero, isso só me incita a esforçar‑me mais.
4. Nem sempre é fácil, mas costumo encontrar uma forma de fazer o que realmente precisa de ser feito.
5. No passado, até quando as coisas ficaram mesmo difíceis, nunca perdi de vista os meus objetivos.
6. Não deixo que as minhas emoções atrapalhem a conclusão de um trabalho.
7. O trabalho duro ajudou‑me realmente a progredir na vida.
Se muitas destas afirmações o descrevem, está provavelmente a congratular‑se pela determinação. Mas, apesar das aparências, estas questões não transmitem determinação, mas algo chamado john henryism. Criado pelo Dr. Sherman James, o john henryism evidencia a tendência das minorias raciais desfavorecidas para trabalhar demasiado de maneira a trazer o sucesso a curto prazo, mas criam problemas de saúde a longo prazo. Dizia a lenda que John Henry era o homem mais forte num raio de centenas de quilómetros. Competindo contra uma broca movida a vapor numa corrida para partir rocha e formar um túnel ferroviário, saiu vitorioso, mas veio a falecer de exaustão. John Henry permanece uma lenda no que diz respeito à perseverança sobre‑humana. Prevaleceu no seu objetivo a curto prazo com empenho resoluto, uma vitalidade inflexível e o engano das imperfeições emocionais e físicas. No entanto, a sua história serve como paralelo para o potencial custo de trabalhar o mais arduamente possível para obter aprovação social e sucesso quando se lida com um sistema disfuncional.
Os cientistas acompanharam 3126 jovens adultos (na casa dos vinte anos) durante 25 anos. Descobriram que os jovens adultos que apresentavam extrema perseverança sofriam fisicamente, como o próprio John Henry. Tensão arterial mais elevada. Risco mais elevado de doenças cardiovasculares. Vinte e cinco anos depois, ainda estavam a sofrer. Menos agilidade mental. Menos memória. Funcionamento do cérebro em geral mais débil (menos capacidade de controlar a atenção, planear e flexibilidade mental). O prejuízo em termos físicos e psicológicos da perseverança do trabalho árduo é particularmente evidente em pessoas oriundas de meios desfavorecidos. É‑lhes dito que só precisam de se aguentar, trabalhar mais, e o futuro irá recompensá‑los. Sim, a esperança tem as suas vantagens. Mas não esqueçamos os eventuais prejuízos que vêm com a crença de que a opressão irá terminar e que tudo irá acabar bem.
MENTE ABERTA À MUDANÇA
Ler sobre a forma como os oprimidos são instruídos a conformar‑se com sistemas injustos e defeituosos pode parecer estranho num livro sobre insubordinação. Estou a culpabilizar as vítimas por não serem mais instruídas? Nem pensar! Estou a descrever a realidade psicológica. Defender disposições sociais opressivas faz sentido se, como membro de um grupo desfavorecido, se sentir psicologicamente vulnerável. É difícil adotar uma visão ambiciosa do futuro quando se lida com perigos iminentes, quando lhe parece irrealista escapar a um grupo e quando mantém a esperança na promessa de um futuro melhor. Como vimos, em tempos incertos, todos nós tendemos a recorrer à sabedoria convencional.
É difícil para ca*#ças ser diferente, divergir, desviar‑se do pensamento tradicional. Adaptar‑se proporciona uma folga a curto prazo da agitação de ser o alvo de animosidade e rejeição. Se está a sofrer à conta de um governo injusto, por vezes só precisa de um intervalo para deixar de pensar nisso. Mas continuar a apoiá‑lo é em última instância inviável, já que vai comprometer o seu bem‑estar a longo prazo ao tornar a mudança impossível.
Vamos todos ficar mais cientes da nossa tendência para o conformismo ao abrir as nossas mentes à perspetiva de mudança. Este livro de receitas oferece receitas psicológicas aos rebeldes e renegados entre
nós, aos que encontraram uma missão pela qual vale a pena lutar. Também o escrevi para os restantes, que estão menos inclinados a resistir, mas ainda assim procuram uma vida melhor do que aquela que vivem. Como iremos verificar, os inconformistas podem conquistar mais pessoas para a sua causa se efetuarem pequenas mudanças no seu comportamento. E os restantes podem adotar táticas que ajudem a obter o máximo de benefícios dos inconformistas e das suas corajosas intervenções. Mas, antes de lá chegarmos, vamos contextualizar um pouco mais. Reconhecemos as coisas estranhas que fazemos para agradar e alguns mecanismos psicológicos fundamentais subjacentes e influenciadores do nosso comportamento. Agora vamos examinar o porquê de a insubordinação com princípios ser necessária. Vamos analisar por
que razão os renegados são os maiores.
RECEITA PASSO A PASSO
1. Saliente o preço da inércia. Os adultos raramente (se é que o fazem de todo) mudam de marca de sabonete, iogurte e operadores de TV cabo, mesmo quando não estão satisfeitos. Eleitores não favoráveis ao sistema vigente acabam por votar no mesmo em eleições políticas. Ao manter bens, serviços e decisões indesejados, permitimos que acontecimentos negativos dominem a nossa vida diária quando existem alternativas mais saudáveis e mais importantes. Da próxima vez que quiser convencer alguém de uma ideia ou abordagem, lembre‑os de que não agir em relação aos problemas prejudica o bem‑estar.
2. Conheça os quatro reforços psicológicos. Conhecer os mecanismos que levam ao conformismo voluntário da nossa parte irá ajudar a resistir à pressão do mesmo. O que atrai o conformismo e a legitimação de um governo corrupto é a falta de controlo pessoal, ameaças ao sistema, dependência do sistema e a esperança
na ascensão social.
3. Reconheça a sua propensão para o statu quo. Faz parte da natureza humana tender para práticas e crenças antigas e comummente aceites. Os potenciais insubordinados que estão entre nós têm de aceitar esta realidade para que possam lidar com ela e em última instância ultrapassá‑la.