Aos irmãos, Ludwig van Beethoven (1770–1827) tinha manifestado o desejo de que fosse estudada a sua perda auditiva progressiva, após a sua morte, para que, “pelo menos tanto quanto possível, o mundo se reconcilie comigo”. Embora tenham sido avançadas inúmeras hipóteses, nomeadamente hereditárias, nunca se chegou a uma conclusão sobre as causas da maleita, que começou quando tinha 20 e tal anos. Neste aspeto, a investigação genética recentemente divulgada pela revista científica Current Biology também não conseguiu fornecer explicações sobre o distúrbio auditivo do compositor alemão, ou sobre os problemas gastrointestinais de que padecia. Mas trouxe novas pistas sobre a sua grave doença hepática.
Beethoven teve um longo e agitado delírio antes de morrer, aos 56 anos. Segundo os biógrafos, as últimas palavras que proferiu conscientemente foram sobre umas garrafas de vinho do Reno, que lhe tinham sido enviadas. Ao perceber que já não as podia beber, comentou: “Pena! Pena! Demasiado tarde!”. Embora fossem conhecidos os excessos alcoólicos do músico, não havia consenso sobre a gravidade. A autópsia revelou que ele tinha cirrose hepática, pancreatite e baço inchado. Agora, as análises genéticas revelaram uma “predisposição genética para doenças hepáticas,” assim como uma “infeção por hepatite B, pelo menos nos meses que antecederam a sua morte”, que provavelmente contribuíram significativamente para o desfecho fatal. A equipa de investigadores internacionais chegou a estas conclusões após sequenciar o ADN preservado em mechas de seu cabelo, guardadas por colaboradores e fãs do compositor como lembranças preciosas. Primeiro, teve de garantir que as amostras eram verdadeiras – o que ficou comprovado em cinco das oito mechas.

Tristan Begg, um dos investigadores, da Universidade de Cambridge, afirmou ao jornal britânico The Guardian que Beethoven era extremamente sensível a insinuações de que era um bêbado. “Não o vingamos, propriamente, mas o facto de haver um risco genético e possivelmente hepatite B – e ninguém sabe por quanto tempo –, espero que realmente represente uma mudança de paradigma e afaste as suspeitas com o álcool”, disse Begg.
Mas a investigação trouxe outras surpresas. “Inesperadamente, uma análise dos cromossomas Y sequenciados de cinco membros vivos da linhagem patrilinear de Beethoven revelou a ocorrência de um evento de paternidade extrapar na ascendência patrilinear”, sustenta o estudo. Ou seja, a análise de dados genéticos de familiares vivos do compositor revelou que este, na verdade, não partilha com o grupo os mesmos antepassados paternos. O parente comum que todos compartilham é Aert van Beethoven, que viveu no século XVI. Algures nas sete gerações entre Aert e Ludwig (entre 1572 e 1770), uma mulher na árvore genealógica teve um filho com um homem desconhecido, e Beethoven parece ser um descendente desse casal. “Para mim, o resultado mais surpreendente foi mesmo o acontecimento extraconjugal na linhagem paterna direta de Beethoven”, confessou Tristan Begg, em declarações ao jornal Público.
Por último, os investigadores observam que análises anteriores que sugeriam que Beethoven tinha sofrido de envenenamento por chumbo – apontada como “possível causa do comportamento sisudo” do compositor e até da sua surdez -, basearam-se numa amostra de cabelo que, na realidade, não era de Beethoven.