Foi através do ecrã do computador que o ex-ministro das Infraestuturas e Habitação Pedro Nuno Santos ficou a saber que a CEO da TAP, Christine Ourmières-Widene, pretendia fazer cessar as funções da então administradora Alexandra Reis, com quem existia um “desalinhamento”. A CEO da companhia aérea considerou, numa reunião por Teams, a 4 de janeiro de 2022, pelas 15h30, que Alexandra Reis revelava uma “desadequação para o cargo”. A partir deste dia, foi desencadeado um processo que culminou com o pagamento de uma indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis, cujo processo foi, segundo a Inspecção Geral de Finanças, ilegal, levando à demissão da CEO e do presidente do Conselho de Administração, Manuel Beja.
Desde aí – segundo vários depoimentos e documentos que constam nos anexos ao relatório sobre o “processo relativo à cessão de funções de administradora do Grupo TAP” – seguiu-se uma série de diligências com o conhecimento do então secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes.
A própria TAP explicou à IGF que, após a reunião entre a CEO e o então ministro, foi enviada, a 18 de janeiro de 2022, para Hugo Mendes uma “apresentação em power point” com a “formalização” de uma “proposta de uma nova organização da equipa executiva, incluindo a sua composição e discussão de pelouros atribuídos”. Nesta apresentação, foi “também sugerido pela CEO a contratação de um novo Chief Strategy Officer”, cargo ocupado por Alexandra Reis. A resposta do secretário de Estado, por email, no mesmo dia, “foi precetiva à relação à proposta e indicava que ficavam a aguardar sugestão de nomes para essa posição”.
A partir deste “ok” dado por Hugo Mendes, a TAP iniciou um processo de “cessação das relações contratuais” com Alexandra Mendes, tendo, para isso, contratando a sociedade de advogados “SRS Legal” de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Por sua vez, Alexandra Reis contratou a Morais Leitão, que recentemente deixou de lhe prestar aconselhamento jurídico.
A primeira proposta feita por Alexandra Reis para a desvinculação da empresa – uma indemnização de 1,4 milhões de euros – foi, de acordo com a TAP, “transmitida ao secretário de Estado das Infraestruturas pelas CEO”, num email de 31 de janeiro de 2022. Em declarações à IGF, o próprio Hugo Mendes (ouvido a 18 de janeiro de 2023) admitiu ter acompanhado – entre 28 de janeiro e 2 de fevereiro de 2022 – “as negociações quanto ao montante da indemnização”, desconhecendo, disse, o “teor do acordo, que nunca lhe foi comunicado”.
Já a CEO da TAP apresenta outra versão: o governo, através do Ministério da Infraestruturas e Habitação, “esteve sempre ao corrente das negociações mantidas, estando bem ciente de que estaria em causa um acordo de cessação de todas as funções exercidas na TAP por Alexandra Reis, com o pagamento de uma compensação, conhecendo, inclusivamente, o montante global a ser pago”
Novamente por Teams, a 1 de fevereiro de 2022, o secretário de Estado Hugo Mendes e a chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos, Maria Araújo, reuniram com Christine Ourmières-Widene e com César Sá Esteves, advogado da “SRS Legal”, reunião na qual “se discutiu os termos e condições constantes da proposta efetuada” por Alexandra Reis.
Com a aceitação dos 500 mil euros por parte de Alexandra Reis – os quais, além do que foi publicamente anunciado, incluíam ainda um seguro de saúde, um carro e facilidades de passagem nas viagens – A CEO, de acordo com os documentos, voltou a interpelar Hugo Mendes que concordou com o valor via WhatsApp, depois de, como Pedro Nuno Santos acabou por admitir, ter consultado o ministro.
À IGF, Hugo Mendes referiu não ter chegado a “contactar os colegas do ministério das Finanças, porque foi tudo muito rápido e, na sua perspectiva, o assunto integrava-se no acompanhamento operacional da empresa”. “Se houvesse necessidade” de reporte à tutela financeira, continuou, “este seria assegurado pela empresa, como sucedia habitualmente”. A mesma versão foi dada por Pedro Nuno Santos: “Quando há matérias que exigem autorização da tutela financeiro e da tutela setorial, é a empresa a enviar os respetivos pedidos para as duas tutelas. Se este era um desses casos, então o procedimento anterior teria de ter sido seguido”.
Já a TAP, através de CEO, justificou a falta de comunicação do acordo ao ministério das Finanças, afirmando ter presumido “a existência de articulação entre os membros do governo competentes no exercício da função accionista, tendo em conta as obrigações de articulação legalmente previstas”.
Advogados da SRS também não viram incompatibilidade com a NAV
Nomeada em abril de 2022 para a NAV, empresa que controla o tráfego aéreo em Portugal, Alexandra Reis garantiu à IGF ter tido o “cuidado de solicitar aos consultores” desta empresa a “documentação necessária para as comunicações a efetuar ao Tribunal Constitucional, não tendo sido alertada para nenhuma questão sobre a eventual redução do montante da indemnização recebida da TAP”. Ora, a assessoria jurídica da NAV era assegurada pela “SRS Legal”, sendo que Alexandra Reis afirmou ter interagido nesta questão com o “mesmo interlocutor que tratou do processo de saída da TAP”, o advogado César Sá Esteves.
Alexandra Reis acrescentou ainda que, após ter sido nomeada para a NAV, comunicou este facto à TAP, que suspendeu os “benefícios relativos a seguros e à viatura”, não tendo a anterior empresa “alertado sobre alguma questão relacionada com a eventual redução da indemnização”, já que tinha sido nomeada para outra empresa pública.
A ex-administradora da TAP admitiu, na resposta que enviou para a auditoria da Inspecção Geral de Finanças (IGF), que a sua saída da TAP não ocorreu através de, como foi anunciado, de uma “renúncia”, mas foi “convidada a sair”. Por isso, Alexandra Reis considera ter “direito a uma indemnização”, não dos 500 mil euros pagos da primeira vez, mas sim cerca de metade deste valor, 249 mil euros.
Na resposta à auditoria da IGF, exercida na fase de contraditório, os advogados de Alexandra Reis consideram que a ex-administradora tem direito a 210 mil euros, que correspondem ao vencimento que auferia até ao final do mandato (2024), mais a indemnização a “titulo de compensação pecuniária pela cessação do contrato individual de trabalho” e ainda férias que venceriam em 2023. Total: 248364,09 euros.
Entretanto, já depois de terem sido reveladas as conclusões das IGF, Alexandra Reis emitiu um comunicado, afirmando não concordar com o resultado da auditoria, mas referindo não pretender ficar com “um euro sobre o qual recaia a mínima suspeita”.