Se pensa que pode escrever o que lhe dá na gana nos grupos privados das redes sociais, sem arriscar ter processos disciplinares da entidade patronal ou penalizações criminais, pondere bem. Uma vez escritos, o desabafo, a denúncia, o insulto, a insinuação ou a mentira não morrem como morrem as palavras à mesa do café. Se forem proferidas num jantar com 50 amigos, o caso também muda de figura. “É preciso ter sempre cuidado com o que se escreve na internet ou com o que se diz numa conversa mais ampla”, explica, à VISÃO, Carla Mirra, advogada no gabinete jurídico de um sindicato, em que estes assuntos têm sido motivo de aconselhamento e de pedagogia junto dos trabalhadores, quanto à forma como estes interagem no universo digital. “Os grupos fechados nunca são verdadeiramente fechados, e ninguém deve ter a expectativa de que o seu comentário ou a sua mensagem estão protegidos e não têm difusão pública. A partir daí, tudo poderá ser alvo de ação disciplinar ou criminal, atendendo ao contexto e sem prejuízo dos direitos fundamentais”, avisa.
A revelação, por parte do Consórcio de Jornalistas de Investigação (CJI), do caso que envolve quase 600 agentes de autoridade, que, a partir de grupos privados nas redes sociais, propagaram ameaças, discursos racistas, xenófobos e de ódio, ampliou o debate sobre a responsabilização de quem intervém nas “redes” como se estivesse em casa, refastelado no sofá, sem farda, sem filtro e sem medir as consequências das suas palavras. As investigações do CJI e da VISÃO (neste caso, sobre elementos das forças de segurança, militantes ou ex-militantes do Chega, que assumem publicamente discursos extremistas no Facebook) levaram à abertura de dois inquéritos: um da Inspeção-Geral da Administração Interna e outro por parte do Ministério Público. Em causa estão a violação dos próprios códigos de conduta de polícias e militares, a defesa e difusão de ideias extremistas e as ameaças direcionadas a determinados grupos ou indivíduos.