Simplificar aquilo que pode ser, à primeira vista, muito complexo, como falar de química, é a tarefa de Nuno Maulide. E fá-lo com paixão e entusiasmo. É, aos 42 anos, professor catedrático de Química Orgânica na Universidade de Viena, Áustria. Antes licenciou-se no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, tirou o mestrado em França e fez o doutoramento na Bélgica. Trabalhou nos Estados Unidos da América e na Alemanha, antes de se fixar em Viena, há quase 10 anos.
Depois do estrondoso sucesso de Como se Transforma Ar em Pão (editora Planeta), lançado no ano passado, volta agora à escrita com Como Desvendar o Quebra-Cabeças da Origem da Vida (editora Planeta). Falemos de química e como ela está em tudo o que nos rodeia.
Ficou espantado com a reação do público ao livro anterior e recebeu muitos e-mails e cartas. Este novo livro é uma resposta às perguntas que lhe enviaram?
É, claramente. Pensei, ‘ai gostam disto e acham que tem interesse? Então vamos continuar.’ O primeiro livro é mais a minha visão da química, aquilo que eu acho que é a química. Não estava tão focado em responder às questões que mais cedo ou mais tarde passam pela cabeça das pessoas. Neste livro respondo a essas perguntas com a química.
A curiosidade das pessoas surpreendeu-o?
As pessoas acharem tão interessante aquilo que eu tinha para dizer e contar surpreendeu-me. Em relação ao livro, mas também em reação às entrevistas que dei. A maior parte das 27 respostas que dou no livro vêm na sequência de entrevistas e de recomendações que alguns comentadores televisivos fizeram. Disseram, nos outros canais, ‘Vejam a entrevista do Nuno Maulide na RTP’. Vejam que o ‘homem é assombroso’ e tal, estas reações, que para mim são chocantes, vieram acompanhadas, depois, de e-mail e mensagens. Eu só pensava, ‘bolas, este pessoal quer mesmo ouvir o que eu tenho para dizer’ [risos]. A minha estupefação é porque não faço mais do que dizer aquilo que me vai na cabeça. Não faço nenhum discurso super elaborado, digo o que me vai na alma.
Quem nunca comeu nada que fosse demasiado picante? Lembram-se do que fizeram para aliviar os sintomas de quente e de ardor? A tendência é beber água –, mas raramente resulta… Uma dica: o leite é muito mais eficaz porque contém uma proteína,chamada caseína, que tem a capacidade de encapsular a capsaicina [o princípio ativo das malaguetas]. Encapsulando-a, retira-a dos recetores para o ardor e alivia a sensação de picante.
in como Desvendar o Quebra-Cabeças da Origem da Vida
Será a simplicidade com que o faz?
A minha mensagem é transmitida com uma humildade que não é falsa. No dia em que eu me achar o maior as coisas mudam. As pessoas tinham na gaveta uma data de questões e dúvidas sobre o mundo e não sabiam a quem as perguntar. Devem ter pensado, esta pessoa leva-nos a sério e vamos lá perguntar-lhe – as pessoas ficam sempre espantadas que eu responda. Há a ideia de que quem é figura pública não fala com toda a gente, eu não me vejo como figura pública, comunico com todas as pessoas. Também há um outro aspeto, as pessoas devem ter pensado que eu era capaz de explicar as coisas de forma que conseguissem perceber.
Dividiu o livro em clusters: apetos da natureza; o que faz de nós seres humanos; alimentação; tecnologia; e a dimensão humana, o lado mais emocional e filosófico. Há algum de que goste mais?
Em todas estas partes do livro, acho que há alguma perguntas que estão mais bem conseguidas do que outras. As respostas mais giras são aquelas em que, depois de se escrever, lemos e pensamos que é impossível ler sem dizer ‘Ah, à sério?´, ‘O quê? Nunca pensei’. A pergunta “Porque é que os sapos são verdes?”, que me foi feita por uma criança, é tão básica e tão fundamental, mas tem algo de tão cientificamente interessante lá dentro, que é das perguntas de que mais gosto.

A química está mesmo em todo o lado?
Completamente. Em todo. Todos nós somos química. Este livro tenta olhar para as coisas com os óculos da química. Como é que estas moléculas são? Que estrutura é que têm? Como é que essa estrutura modifica as suas propriedades?
Podemos constatar, por exemplo, que em muitos aspetos da atividade humana há uma falta de óculos de químicos. A agricultura baseia-se, essencialmente, em plantar uma semente que irá, depois, dar um alimento, e acaba aí. Quem olha para a agricultura com óculos de química pensa, mas espera lá, no caso de um tremoço são precisas várias águas de lavagem para retirar o sabor amargo depois de cozido, e nunca ninguém pensou em perguntar porque é que é amargo? Esse amargo há-de ter uma base química para assim o ser. Um lagar de azeite cheira mal porque há uma base química para ter esse cheiro. Talvez o amargo do tremoço possa ser pensado para, por exemplo, ganhar valor, ganhar dinheiro ou para aumentar a sustentabilidade dos processos.
Olhar para tudo com óculos da química pode ser um bocadinho cansativo, mas dar azo a oportunidades que antes não se sabia sequer que existiam.
O E300, o ácido ascórbico, pode deixar alguns consumidores apreensivos se não souberem que se trata apenas de… vitamina C. Os E’s, conhecidos como aditivos alimentares, não são todos iguais e, se há alguns que devemos evitar, muitos outros existem na natureza. Uma banana tem mais de uma dezena de E’s.
in Como Desvendar o Quebra-Cabeças da Origem da Vida
Porque a química não é muito falada? Porque os químicos não comunicam muito?
Sim e sim. E também porque tem fama de ser uma coisa difícil. Este livro mostra que não tem de ser difícil.
Por isso, recorre muito a analogias…
[Risos] Sim, passo a vida a fazer analogias, em tudo. A minha mulher sofre muito com isso.
O que tem, então, uma máquina de flippers a ver com a origem da vida?
[Risos] É a ideia de que se há uma série de reações, todas em rede umas com as outras, então, cada uma dessas reações é como uma bola de flippers. Agora já não existem, mas eu sou da geração em que estas máquinas, a determinada altura, lançavam bolas umas atrás das outras, era quase impossível não as deixar cair. As bolas são todas essas redes. O indivíduo é importante, a reação e a molécula são importantes, mas só no contexto do todo.
A rede toda junta constrói a química.
Será possível criar ouro a partir de chumbo? Sim, é possível. A Química pode mesmo ajudar a criar ouro artificial! Com as técnicas atuais, a produção sintética de ouro é muitíssimo mais cara do que a extração de ouro por mineração.
in Como se Transforma Ar em Pão
No livro, responde a uma pergunta que a minha colega, Alexandra Correia, lhe fez no ano passado sobre o amor e a química. Diz e explica que sim, que o amor e a atração física são fenómenos químicos. Deixar de amar também é química?
Também. Essas são as perguntas mais difíceis do livro. Escrevo, escrevo e, no fim, não tenho resposta [Risos]. Nós conseguimos perceber até certo ponto o ‘como’, há medições e estudos que mostram que há uma certo número de moléculas, que estão associadas a estes sentimentos e emoções, que se libertam. O ‘porquê’ ainda não tem resposta. Porque é que eu, ao ver a minha mulher tenho, uma libertação de compostos químicos que não tenho com outra pessoa?
Qual o mecanismo subjacente à libertação dessas moléculas? Deixar de amar é certamente uma redução de certas moléculas, o porquê não sabemos ainda. Um dia vamos saber isso também.
Há fraude quando nos dizem que fizeram um carro andar a água. Há banha da cobra quando publicitam ultrassons para afastar mosquitos. Que outras banhas da cobra existem?
[Risos] Montes delas. É a sociedade da terra é plana, como costumo dizer. Nunca nos podemos esquecer que, seja em 2022, ou 1930 ou 1500, é sempre muito fácil convencer as pessoas daquilo que elas acham que já sabem. As teorias da conspiração e a banha da cobra tentam alicerçar-se com factos, mas vão é à procura de factos específicos e só usam esses para explicar os fenómenos à sua maneira.