Quatro anos antes de ter sido fotografado com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro, António Costa, num restaurante em Lisboa, Yasir Ameen, 33 anos, tinha como missão o patrulhamento das ruas de Mossul, no Iraque, ao serviço da Al Amniyah, o departamento de segurança pública do Estado Islâmico. O seu irmão, Ammar Aeen, 35 anos, por sua vez, integrava a Al Hisbah, a polícia religiosa. Ambos estão presos preventivamente em Portugal e foram acusados, segundo informações recolhidas pela Visão, por adesão a organização terrorista e crimes de guerra contra pessoas.
A acusação por crimes de guerra contra pessoas (previstos na Lei 31/2004 de 22 de julho) é inédita no sistema judicial português. Ao que a Visão apurou, depois de detidos há um ano pela Unidade Nacional Contra Terrorismo da Polícia Judiciária (UNCT), este departamento da PJ e o DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal) trabalharam em conjunto com as autoridades iraquianas e com a UNITAD (Investigative Team to Promote Accountability for Crimes Commited by Daesh/ISIL), uma equipa de investigação criada pela ONU para investigar os crimes do Daesh no Iraque, para recolher provas e testemunhos que ligassem os dois irmãos aos crimes do Estado Islâmico.
Isto fez com que exista no processo em Portugal, com o número 99/17, documentos originais da organização terrorista que chegou a ocupar uma região no norte do Iraque, entrando também na Síria. O objetivo do Daesh passava pela criação de um califado, regido por uma leitura conservadora do Corão, nas regiões de maioria sunita.
Os testemunhos de duas vítimas dos irmãos recolhidos – ao que a Visão apurou em “declarações para memória futura – fotografias e vídeos da organização foram determinantes para consolidar as provas, entretanto, recolhidas pela investigação do DCIAP/PJ. Porém, a própria recolha dos testemunhos ficou sob suspeita, já que, num dos casos, no próprio dia em que prestou depoimento, a família de uma das vítimas foi alvo de ameaças, no Iraque. Em Portugal, também não foi fácil acautelar a segurança das vítimas: a pedido do Ministério Público, um juiz recusou impor aos suspeitos um regime de comunicações mais apertado com o exterior . Só posteriormente o Tribunal da Relação de Lisboa viria a decretar a medida.
Uma dessas testemunhas relatou que, em 2014, depois de ter sido denunciado como informador da polícia iraquiana foi detido por Ammar e Foud Ameen, irmão dos dois detidos em Portugal, que o agrediram até chegarem a um tribunal do Estado Islâmico. Durante 11 dias, esteve preso numa pequena cela com mais de 100 pessoas, também suspeitas de infracções. Foi agredido e torturado por elementos da Al Hisbah.
Aos investigadores, o homem relatou que, na cela, existia uma televisão que os captores usavam, ora para difundir propaganda dos Estado Islâmico ou para exibir as execuções de algumas pessoas que tinham partilhado aquela cela. Enquanto estava preso, Yasir Ameen e outro elemento do Daesh continuaram a pressionar a sua família para a entrega de documentos ou dinheiro para a sua libertação.
Os irmão foram ainda identificados por outra testemunha, vítima de agressões (chicotadas), por não ter encerrado uma loja comercial à hora da oração. Detido por Ammer Ameen foi, juntamente com mais pessoas, levado para as imediações de uma mesquita. No final da oração, os crentes foram alinhados e forçados a assistir ao castigo de vários “infratores”.
Em 2016, com a queda de Mossul para a forças iraquianas, os irmão abandonaram a região, misturando-se com os milhares de migrantes que fugiam ao conflito. Depois de uma passagem pela Turquia, chegaram à Grécia, onde se apresentaram como vítimas do Estado Islâmico. Depois de um ano neste país, rumaram a Portugal, pedindo asilo. Depois de o obterem, o Serviço de Informações e Segurança (SIS) difundiu uma informação ligando os dois irmãos a uma suspeita de que fariam parte de um plano para levar a cabo um atentado terrorista na Alemanha.
A investigação da UNCT passou a vigiar de perto os dois homens e, em setembro de 2021, avançou para a detenção dos dois depois de um deles, Ammar, ter desaparecido do radar das autoridades. Até hoje, nenhuma polícia explicou como foi possível Yasir ter estado tão perto do Presidente da República e do primeiro-ministro.