Na primeira pessoa: “Deram-me quatro meses de vida com dois cancros, um deles no pâncreas. Nunca equacionei morrer, mas o cenário era esse”

Na primeira pessoa: “Deram-me quatro meses de vida com dois cancros, um deles no pâncreas. Nunca equacionei morrer, mas o cenário era esse”

No dia 27 de abril de 2017, estava a jantar com a família e tive dor súbita abdominal muito intensa. Senti que algo de estranho se passava, era uma dor fora do comum. Fui ao hospital a pensar que ia só passar por lá. Acreditamos que dominamos tudo, estava no meio de assuntos de trabalho por resolver, como profissional na indústria farmacêutica.

Havia alguma coisa na zona biliar, onde está o fígado, a vesícula e o pâncreas. As segundas análises deram uma melhoria nos valores e fui para casa. Voltei a ser internado uns dias depois e, aí sim, tudo mudou. Diagnosticaram-me um colangiocarcinoma, cancro nas vias biliares em estado avançado. Durante a cirurgia para a remoção desse intruso, descobriram que o meu pâncreas não estava bom. Foi detetado outro cancro em estado avançado.

O médico disse-me: “João, estamos num colete de sete varas.” A probabilidade de sobrevida era pequena. Quis saber sempre tudo dos médicos. Quando recebi a notícia, estive dois dias a pensar em como iria arrumar aquela nova situação na minha cabeça. Nunca equacionei morrer. O cenário era esse, mas nunca pus essa hipótese.

Deram-me quatro meses de vida. Foi estranho ouvir as pessoas a falar nas férias do verão e do Natal. O meu tempo não chegava até lá.

Como diz um oncologista do Hospital de Santa Maria, quando se recebe a notícia de que se tem uma doença oncológica é assustador, quando nos dizem que é no pâncreas é o pânico. Sabia que a probabilidade de sobreviver era quase nula, porque é um cancro muito mortal. É um intruso silencioso, quando se manifesta já está muito avançado.

Mas temos de lutar e acreditar que é possível vencer a doença. Eu e a minha mulher marcámos mesmo férias de verão nessa altura. Foi uma forma de consciencializar-me de que era possível superar. Nessa altura, tinha acabado de comprar a minha casa no Estoril e, como sou licenciado em Arquitetura, estava a fazer o projeto de remodelação total. Continuei a fazê-lo, foi uma motivação para lidar com a doença.

“O meu corpo estava saturado”

Tive de esperar algum tempo para ser operado ao pâncreas. Durante esse tempo, estive na UCI, onde passei momentos terríveis por causa de uma pancreatite aguda e um problema pulmonar que necessitou, também, de cirurgia. Na altura em que já estava pronto para ser operado ao pâncreas, as coisas tinham piorado: ou recuperava em ciclos de quimioterapia ou não havia muito mais a fazer. Foi muito doloroso e agressivo, mas superei todos os tratamentos e pude ser operado para removerem a cabeça do pâncreas.

Correu muito bem, e estive em lua de mel até outubro de 2020. Nesse período, estive sem doença, só que comecei a ter novamente dores abdominais muito intensas. Tive uma recidiva. O intruso tinha regressado ao tronco celíaco, um órgão que ramifica para todo o aparelho digestivo.

Estava a ser acompanhado em Santa Maria, mas levei todo o meu processo clínico para a Fundação Champalimaud. Seguiu-se uma quimioterapia para preparação da cirurgia. Os tratamentos foram agoniantes; o meu corpo estava saturado desses químicos.

Nesse tempo todo, tive de preocupar-me com uma coisa a que, às vezes, as pessoas não dão tanta importância: a alimentação. Foi fundamental na ajuda aos tratamentos. Deixei de comer carne vermelha, pão de trigo ou leite, por exemplo. O meu corpo ficou mais disponível e os enjoos provocados pela químio melhoraram.

Não consigo quantificar se o meu sucesso se deveu a 20% da alimentação, 40% da químio e o restante à convicção de que não iria morrer, porque a vida é bela e temos de acreditar nela. Querer e acreditar faz muita diferença. Não é fácil alguém chegar a esta conclusão. Eu cheguei. Encontrei na minha família o grande apoio e a força para superar momentos de grande sofrimento. A minha mulher foi insuperável, e os meus filhos também. Foram os três o meu centro.

Esta doença é muito debilitante, mas encontrar o motivo pelo qual cá andamos é fantástico. As nossas prioridades ficam muito mais claras, até na relação com as pessoas. Temos os conhecidos, temos os amigos, mas existe, ainda, outro patamar: aqueles que ficam.

Quando se recebe a notícia de que se tem uma doença oncológica é assustador, quando nos dizem que é no pâncreas é o pânico. Sabia que a probabilidade de sobreviver era quase nula, porque é um cancro muito mortal. É um intruso silencioso, quando se manifesta já está muito avançado

Esta minha viagem teve duas partes. A primeira foi aquela em que tive de lutar e acreditar que ia superar tudo, tanto a dor como as falências na qualidade de vida. A segunda é que deixei de ter a doença mas, a troco de perder o pâncreas na totalidade, sou insulinodependente, embora não seja diabético. Tirei o baço, o estômago e parte do intestino para salvaguardar a metastização ou novas recidivas. Já tive de me picar tantas vezes – parei de contar às 150 seringas de enoxaparina – que tenho dificuldade em encarar agulhas.

Uma das partes com mais impacto foi na minha fisionomia. Perdi 40 quilos.

E se me perguntarem se vale a pena? Claro que vale a pena. A aproximação da altura em que posso voltar a fazer coisas faz-me sorrir. Dar um passeio a pé é um sinal; ir ao restaurante, estar com os amigos ou fazer tiro ao prato, também. Isto começou a acontecer no último mês. Já combinei ir à pesca em setembro. Estou melhor e, por isso, de vez em quando já posso fazer estas coisas, o que é um alento. Em cada dia que passa, vou ficando mais treinado nesta nova vida que tenho.

Não posso arriscar dizer que estou bem, porque não posso fazer o que fazia, como trabalhar, praticar mergulho subaquático ou correr, mas vivo a vida de uma forma mais intensa e pormenorizada. Dentro daquilo que me é oferecido, consigo tirar prazer de situações que antes não tirava.

Depoimento recolhido por Sara Rodrigues 

Palavras-chave:

Mais na Visão

Mais Notícias

Os lugares desta História, com Isabel Stilwell: Elvas, capital do Império onde o sol nunca se põe

Os lugares desta História, com Isabel Stilwell: Elvas, capital do Império onde o sol nunca se põe

Dino Alves apresenta coleção na Moda Lisboa inspirada no futebol

Dino Alves apresenta coleção na Moda Lisboa inspirada no futebol

As camisas de riscas são tendência: 20 ideias de looks para usar na primavera

As camisas de riscas são tendência: 20 ideias de looks para usar na primavera

Constança Entrudo: “Sou obstinada, quando quero uma coisa, não há impossíveis”

Constança Entrudo: “Sou obstinada, quando quero uma coisa, não há impossíveis”

J. L. Barreto Guimarães, Poesia para médicos

J. L. Barreto Guimarães, Poesia para médicos

Juan Vicente Piqueras, Caçador de instantes

Juan Vicente Piqueras, Caçador de instantes

Tempos de Antena ‘Miúdos a Votos’: ‘Verity’

Tempos de Antena ‘Miúdos a Votos’: ‘Verity’

Mathieu Lehanneur, o design numa abordagem multidisciplinar

Mathieu Lehanneur, o design numa abordagem multidisciplinar

Prazo para verificar deduções no IRS e reclamar em caso de desconformidades arranca hoje

Prazo para verificar deduções no IRS e reclamar em caso de desconformidades arranca hoje

MNE português rejeita que tenha havido verdadeira eleição na Rússia

MNE português rejeita que tenha havido verdadeira eleição na Rússia

O outono/inverno de Luís Carvalho inspirado na natureza

O outono/inverno de Luís Carvalho inspirado na natureza

Filho de Pimpinha Jardim celebra 4.º aniversário

Filho de Pimpinha Jardim celebra 4.º aniversário

As figuras da PRIMA 23

As figuras da PRIMA 23

Dos idos de Março 62 às eleições de Março 24

Dos idos de Março 62 às eleições de Março 24

Passatempo

Passatempo "O 25 de abril visto por ti"

Exame Informática TV nº 855: As novidades da Xiaomi, Honor e o portátil transparente da Lenovo

Exame Informática TV nº 855: As novidades da Xiaomi, Honor e o portátil transparente da Lenovo

Nuno Carvalhosa: A comunicar no topo da Europa

Nuno Carvalhosa: A comunicar no topo da Europa

Airbus apresenta protótipo da aeronave citadina CityAirbus NextGen

Airbus apresenta protótipo da aeronave citadina CityAirbus NextGen

Prorrogação de declaração de impacto ambiental para Montijo de novo chumbada

Prorrogação de declaração de impacto ambiental para Montijo de novo chumbada

Boas companhias em forma de mesa

Boas companhias em forma de mesa

VOLT Live: a experiência da DPD na utilização de furgões elétricos

VOLT Live: a experiência da DPD na utilização de furgões elétricos

"Cartas da Guerra" de Lobo Antunes: Escritas do fundo do mundo num filme de Ivo M. Ferreira

Elétrico com design jovial e funcionalidades práticas: eis o Fiat 600e

Elétrico com design jovial e funcionalidades práticas: eis o Fiat 600e

Quiz VISÃO Se7e: 10 perguntas para testar a sua cultura geral

Quiz VISÃO Se7e: 10 perguntas para testar a sua cultura geral

Cabelos: Tendências de primavera para atualizar o seu corte

Cabelos: Tendências de primavera para atualizar o seu corte

Hotelaria algarvia com linha de apoio de 10 ME para medidas de eficiência hídrica

Hotelaria algarvia com linha de apoio de 10 ME para medidas de eficiência hídrica

Educação para a inovação

Educação para a inovação

Liberdade silenciosa em

Liberdade silenciosa em "Girafas", pelos Artistas Unidos

Príncipes de Gales

Príncipes de Gales "devastados e chocados" com as especulações à sua volta

Quase 200 farmácias recolhem hoje medicamentos para apoiar IPSS

Quase 200 farmácias recolhem hoje medicamentos para apoiar IPSS

"Tempos de Antena ‘Miúdos a Votos’: ‘O Homicídio Perfeito’

Anomaly: vintage especial em Marvila

Anomaly: vintage especial em Marvila

Os lucros históricos dos bancos em quatro gráficos

Os lucros históricos dos bancos em quatro gráficos

As Revoluções Francesas na VISÃO História

As Revoluções Francesas na VISÃO História

Em “Cacau”: Salomão pede perdão a Justino por o ter roubado

Em “Cacau”: Salomão pede perdão a Justino por o ter roubado

“Dizer que somos a primeira geração de mulheres a trabalhar é uma grande treta”

“Dizer que somos a primeira geração de mulheres a trabalhar é uma grande treta”

Entrevista: o lado lúdico da designer Elena Salmistraro

Entrevista: o lado lúdico da designer Elena Salmistraro

PlayStation 5 Pro vai ser três vezes mais rápida

PlayStation 5 Pro vai ser três vezes mais rápida

Luís Montenegro: Tudo sobre o homem por detrás do político!

Luís Montenegro: Tudo sobre o homem por detrás do político!

No meio de uma crise institucional, William defende Kate sobre foto polémica

No meio de uma crise institucional, William defende Kate sobre foto polémica

Lisboa através dos tempos na VISÃO História

Lisboa através dos tempos na VISÃO História

Looks monocromáticos: o melhor truque para alongar a silhueta

Looks monocromáticos: o melhor truque para alongar a silhueta

Lenovo desenvolve cão-robô com seis pernas

Lenovo desenvolve cão-robô com seis pernas

Sabe o que é basorexia? Perguntas e respostas sobre um fenómeno intrigante e pouco conhecido

Sabe o que é basorexia? Perguntas e respostas sobre um fenómeno intrigante e pouco conhecido

Em “Cacau”: Sal vinga-se de Regina e espanca-a

Em “Cacau”: Sal vinga-se de Regina e espanca-a

Parceria TIN/Público

A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites