Nem sempre as palavras são sagradas, mas, tratando-se de um assunto que à Igreja diz respeito, é natural que a elas se preste particular atenção. Foi com expressões de significados diametralmente opostos que, entre nós, se olhou para a investigação sobre os abusos sexuais na Igreja Católica: alguns dos mais altos representantes da hierarquia – como é o caso de D. Manuel Linda, bispo do Porto desde 2018 – compararam esse estudo aos efeitos da queda de um “meteorito”, enquanto outras vozes – como a do frade dominicano Bento Domingues, que há 30 anos assina crónicas no jornal Público – admitiram estarmos perante uma “revolução”.
Da raridade de um “meteorito” à importância de uma “revolução”, afinal, como, na própria Igreja Católica, está a ser vista a investigação sobre os abusos sexuais cometidos em ambientes eclesiásticos? É bem-vinda ou, pelo contrário, há quem se lhe oponha? Quando assume ter errado, a instituição está a fragilizar-se ou, ao invés, a fortalecer-se perante a sociedade? À VISÃO, Anselmo Borges não tem medo das palavras ao descrever a situação como “calamitosa”. O padre da Sociedade Missionária Portuguesa considera históricas as clivagens internas, agora acentuadas por este processo. Para as entender, julga ser “essencial perceber como surgiu o clero e, consequentemente, a peste do clericalismo (como lhe chama o Papa Francisco), ao dispor de todo o poder: o poder sacro”. “Demasiadas vezes a Igreja oficial, em vez de se colocar ao lado das vítimas e da sua defesa e do castigo adequado dos abusadores, ignorou, encobriu, para defender a instituição”, justifica, acrescentando ainda ser importante dar voz aos que pertencem à Igreja e, simultaneamente, defendem que se averiguem todas as denúncias com transparência. E remata: “Não esquecer: a pedofilia é um pecado e um crime.”