Fibromialgia: “O meu cérebro está permanentemente a ser bombardeado com sinais de dor”

Foto: Lucilia Monteiro

Fibromialgia: “O meu cérebro está permanentemente a ser bombardeado com sinais de dor”

Era um bocado reguila, em miúdo. Andava sempre de um lado para o outro a brincar. Cresci numa aldeia perto de Condeixa-a-Nova, chamada Casével, e, às vezes, também ajudava os meus pais nos trabalhos agrícolas. Não sei o que resta desse miúdo cheio de energia… Sempre fui brincalhão, talvez ainda mantenha esse lado, mas, agora, passo os meus dias deitado.  

Este mês, faz dois anos que comecei a sofrer de fibromialgia. Os sintomas começaram em julho e o diagnóstico chegou em outubro. Inicialmente, senti um grande alívio. Ao menos, havia um nome para o que eu tinha, já não era uma incógnita. Não fiquei assim tão aliviado quando as dores se mantiveram constantes… O médico do SNS que me diagnosticou receitou-me um antidepressivo, deu-me alta das consultas da reumatologia, e mandou-me embora com umas palmadinhas nas costas.

Ninguém sabe muito bem quais são as causas da fibromialgia, nem como se resolve, mas acredita-se que provoca um aumento da sensibilidade à dor, devido a alterações nos neurotransmissores e no processamento da dor. Apesar de não ter nenhuma nódoa negra, parece que apanhei uma sova – nunca levei nenhuma, mas acho que deve ser parecido. Às vezes, é como se me estivessem a puxar os nervos e os tendões com força. Também é habitual sentir comichão em várias partes do corpo ou ter a sensação de que está algum inseto a passear-se na minha pele. É horrível.

O meu cérebro está permanentemente a ser bombardeado com sinais de dor. Aliás, não é por acaso que o meu blogue sobre a doença tem inferno no nome, chama-se Fibro Hell. A intensidade da doença varia muito consoante os doentes. No meu caso, estou sempre com dores. Sempre, sempre, sempre, sempre, sempre.

Dormir tornou-se um misto de pesadelo e de luxo. Tenho alturas em que sou capaz de dormir duas ou três noites seguidas e, depois, há uma ou duas em que não consigo… No início, cheguei a ter alucinações, olhava-me ao espelho e não era bem o meu rosto que estava ali; via vultos a passar, ainda pensei que fosse mesmo alguém, mas depois percebi que eram alucinações por estar há tanto tempo sem dormir.

No final do ano passado, comecei a fazer sessões de estimulação magnética transcraniana todos os meses. Vi uma reportagem na televisão sobre isso e resolvi experimentar, porque não havia maneira de melhorar. A clínica é na Covilhã e, como vivo em Coimbra, faço 200 quilómetros para cada lado. Sinto uma melhoria gigante – não me tira as dores, mas a intensidade baixa bastante. No máximo, o alívio dura seis dias – e não é garantido –, mas prezo muito esses poucos dias. Cada uma destas sessões custa 55 euros.

Ando sempre com botijas de água quente atrás para aliviar a dor, até tenho queimaduras nas costas por causa disso. Também tomo um analgésico. Deviam ser dois comprimidos por dia, mas, como o dinheiro não estica, optei por tomar só um. A minha única automedicação é fumar erva. A canábis ajuda bastante a aliviar. Já falei sobre isto na consulta da dor, mas não ligaram. Sou obrigado a ir ao mercado negro.

“É difícil não me sentir inútil”

Estou de baixa há mais de um ano. É mau a todos os níveis. Estou a receber à volta de 250 euros, mas só as despesas fixas com as doenças – também sofro de cólon irritável, asma, sinusite e rinite alérgica – rondam os €300 mensais. Vivo com a minha namorada, ela trabalha no ramo do imobiliário, dá para safar, mas para sustentar duas pessoas é complicado.

Em maio, custou-me um bocado, mas organizei uma campanha de crowdfunding, porque as coisas estavam – e continuam – complicadas a nível financeiro. Partilhei aquilo a medo e com muita vergonha. Senti-me como se estivesse a falhar na vida. Um rapaz que conheci através das redes sociais também partilhou com vários contactos e a coisa explodiu. Eu pedia €300 para cobrir as despesas de um mês. Acabei por angariar cerca de mil euros.

Quando estava a sair de uma junta médica, uma das pessoas que estavam a avaliar-me disse-me que o meu presente de Natal era manterem-me o pagamento da baixa. Senti-me completamente humilhado por aquele comentário de merda. Venho de lá quase sem conseguir andar e ainda tenho de ouvir que a baixa é um presente de Natal? Fiquei numa pilha de nervos

Nunca saio de casa, a não ser ao domingo, para ir almoçar com os meus pais ou com os meus “sogros”. A minha autoestima não é a melhor – é difícil não me sentir inútil – e volto das juntas médicas ainda mais em baixo. Estão sempre a desconfiar de nós. A forma como falam com as pessoas, o desprezo com que nos tratam… Já me disseram para pedir a reforma por invalidez, mas há um vazio legal em relação à fibromialgia, o que nos deixa numa posição muito vulnerável.

Em dezembro, quando estava a sair de uma junta médica, uma das pessoas que estava a avaliar-me disse-me que o meu presente de Natal era manterem-me o pagamento da baixa. Senti-me completamente humilhado por aquele comentário de merda. Venho de lá quase sem conseguir andar e ainda tenho de ouvir que a baixa é um presente de Natal? Fiquei numa pilha de nervos.

Já fui diagnosticado com depressão. Está muito estudada a relação entre sintomas depressivos, insónias e dor crónica. Só consigo uma consulta de Psiquiatria no SNS, sensivelmente, de seis em seis meses – não posso recorrer ao privado, seria mais uma despesa.

Um dos três reumatologistas que confirmaram o meu diagnóstico insistiu muito no impacto do stresse no agravamento da doença, mas eu estava nas nuvens quando os sintomas apareceram. A minha namorada e eu até estávamos a planear ter um filho. Mas se não consigo sustentar-me a mim, como vou sustentar uma criança?

Tento ser racional a lidar com tudo isto, não tenho outra hipótese, mas nem sempre é fácil. Numa altura de dor bastante intensa, em que já não dormia há vários dias, estive quase a atirar-me da varanda. Estava desesperado e não conseguia raciocinar bem. Quando ia atirar-me, lembrei-me: Como ficará a minha mãe? Como ficará o meu pai? Como ficará a minha namorada? E parei.

Depoimento recolhido por Vânia Maia 

Linhas de prevenção do suicídio

SOS Voz Amiga
16h-24h: 21 355 4545, 91 280 2669, 96 352 466021h-24h
(linha verde gratuita): 800 209 899

Conversa Amiga
15h-22h: 808 237 327,
21 002 7159

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