Helen Gydyrym, 34 anos, famosa na Ucrânia pela sua carreira de modelo e por ter sido finalista em concursos de beleza internacionais, está refugiada em Portugal com a família.
Tudo mudou, também, na vida desta mulher quando, a 24 de fevereiro a Rússia começou a bombardear a Ucrânia.
“Não vou esquecer esse dia. Acordámos com estrondos, não sabíamos se eram mísseis ou outro tipo de armas. Os vizinhos saíram apavorados para o patamar dos apartamentos a gritar “começou a guerra”, foi terrível”, conta Helen. A voz embarga-se, leva as mãos à face e as lágrimas caem. A ex-modelo, finalista do concurso Mrs. Universe, em 2018, e coroada Queen of Mrs. Top Europe, enfiou algumas roupas em sacos, pegou nos documentos e fugiu de casa, em Odessa, com os dois filhos, de 15 e 7 anos, e o gato. O destino era a casa da sogra, o marido, Alexander, 31 anos, estava embarcado num navio porta contentores a milhares de quilómetros.
“Na casa da minha sogra, uma vila perto de Odessa, há um sítio onde estávamos mais protegidos, não é um bunker, mas dava mais proteção”, diz. Os filhos estão apavorados e ninguém conseguiu dormir durante duas noites, “temíamos pela nossa vida”. A decisão foi tomada, tinha de “sair da Ucrânia”. Rumou a casa, por entre um trânsito caótico e enormes filas para abastecer os automóveis, pôs mais algumas coisas no carro e dirigiu-se para a fronteira com a Moldávia. Ali esteve durante dois dias, em casa de contactos de contactos de contactos de conhecidos e foi, a seguir para a Roménia, onde foi reconhecida como modelo e miss Ucrânia. Ficaram 15 dias. “Primeiro dormimos num salão de beleza com outra família, depois numa casa”, lembra Helen. A ideia de ficar perto, ali pela fronteira, era regressar à Ucrânia o quanto antes. “Mas percebemos que isso não ia acontecer”. Falou com Alexander e puseram-se à procura de um local seguro para onde ir. “Não conhecia Portugal, fiz pesquisas no Google e adorei o que vi.” Alexander, entretanto, desembarcado em Espanha, estava sem meios para voltar à Ucrânia, “a empresa cancelou os voos”, nota.
Foi então, Helen, que guiou 5 mil quilómetros, atravessando a Roménia, Hungria, Áustria, Suíça, França até chegar a Valencia, Espanha, onde a família se reuniu. E Alexander não pensou voltar à Ucrânia? “Estive embarcado durante oito meses, não vi a minha família durante todo esse tempo, queria estar com eles, a minha preocupação é que estivessem bem e em segurança”, diz. Helen reforça: “Estamos juntos há 15 anos e ele esteve sempre de viagem em viagem. Agora, nesta situação, quero que fiquemos todos juntos.”
E assim tem acontecido. Depois de chegarem a Lisboa pediram ajuda à Cipu – Consultores Imobiliários pela Ucrânia, um grupo de consultores imobiliários portugueses de diferentes empresas, unidos pela solidariedade com o povo ucraniano, que criou um site (https://refugees.casafari.com/) para ajudar os refugiados a encontrar casa.
A procura em Lisboa tornou-se difícil, “havia muitos refugiados à procura”, recorda Helen, e houve uma oportunidade de “virmos para São Martinho do Porto”. “Adoramos Portugal, fomos muito bem recebidos. As pessoas têm-nos ajudado muito.” Eles querem retribuir. Estão a aprender Português, através de cursos online, e os filhos estão na escola. O mais novo vai todos os dias para as aulas, a mais velha “teve autorização do diretor para assistir às disciplinas de Inglês, Português e Física”, dizem. A língua ainda é uma barreira, mas aos poucos começa a desvanecer-se.
Até maio, estiveram numa guest-house com três quartos, mas a sazonalidade, ou seja, o facto dos donos quererem alugar a casa a veraneantes durante os meses de verão, fez com que tivessem de sair. Estão agora num T1. “É pequeno para os quatro, mas é melhor do que nada. Temos um teto”, conforma-se Helen.
Há dias, a cidade de Odessa esteve sob violentos bombardeamentos. A casa da família ainda está de pé, mas a escola de modelos fundada por Helen, a Miss Top Ukraine, foi destruída. Na escola, podiam participar mulheres dos 18 aos 50 anos, sendo o objetivo o desenvolvimento a nível psicológico, de motivação, feminilidade ou autoconfiança.
Não sabem se e quando voltarão à Ucrânia, querem acreditar que “a guerra não dure muito tempo”, mas uma coisa é certa: “Se a Ucrânia se transformar em Rússia não voltamos.” Têm muitos amigos na Rússia, “mas não é fácil aceitar que a Ucrânia se transforme em Rússia”, assegura Alexander.
Por enquanto têm vivido das economias, Helen já fez uns trabalhos esporádicos de fotografia (na Ucrânia fez fotografia de nus), mas querem arranjar trabalho. Ela já anda a ver que concursos de beleza existem por cá e se poderá fazer alguma coisa nessa área. “É o que eu gosto e sei fazer muito bem”. Alexander procura emprego nas novas tecnologias.