O escorpião queria atravessar o rio, aproximou-se do elefante, que repousava junto à berma, e perguntou: “Elefante, ajudas-me a atravessar o rio?” O elefante, surpreendido, respondeu: “Claro que não! Vais acabar por me picar e me matar”. “Jamais faria isso”, garantiu o escorpião, indignado. “Se tu morres, eu também morro”, explicou. O elefante refletiu e acabou por concordar: “Ok, vou ajudar-te! Sobe para as minhas costas.” Estavam já os dois companheiros a meio da travessia, quando o elefante sentiu a picada do ferrão envenenado do escorpião. Surpreendido e desesperado, gritou: “Porque fizeste isso, escorpião? Agora, vamos morrer os dois…” O escorpião, resignado, afirmou: “Desculpa, elefante, mas isto é mais forte do que eu.”
Independentemente do “animal transportador” envolvido, António repete-nos, com voz trémula de emoção, a fábula que ouviu e decorou, logo que chegou à casa de abrigo para homens vítimas de violência doméstica, a única do género a funcionar em Portugal, administrada pela Cáritas Diocesana de Aveiro. Aos 49 anos, apercebera-se, finalmente, de que, nos últimos seis anos, fora o elefante da própria história e de que a mulher, com quem se casara e partilhara a vida, durante esse período, era o escorpião de quem tinha de fugir e se esconder, caso quisesse sobreviver.