Anna Delvey continua presa, mas quando voltar à liberdade, quem sabe, não será já uma conceituada artista outsider do mundo das artes. Na semana passada, Delvey não recebeu nenhum indulto especial para estar presente na vernisssage de Allegedly (Alegadamente), exposição que tornou públicos os esboços feitos por si na prisão.
Os convidados, cerca de 300, na sua maioria do universo dos media e influencers, entretiveram-se com as bebidas, sem qualquer finger food, e com a vista sobre Nova Iorque, no terraço do Public Hotel, no Lower East Side.
“Bem-vindos à minha festa. Calem-se! Eu sou uma obra-prima. Eu sou a Anaaaaaa. Eu sou linda. E não se preocupe. O dinheiro da transferência está a chegar, baby”, ouviu-se num altifalante, com o sotaque alemão de quem já mora há muito tempo nos Estados Unidos. Os telemóveis erguem-se, gravam, fotografam e registam o momento em que a voz de uma imitadora de Anna acolhe os convidados. Mas, não tarda, que uma mensagem pré-gravada da verdadeira Anna se faça notar: “Já ouviu tantas vozes, mas este é apenas o começo para contar a minha história, a minha narrativa, da minha perspetiva.”
Com os gritos da aprovação do público, como relata EJ Dickson, na revista Rolling Stone, ao som de Flashing Lights, de Kanye West, surgem os modelos com máscara transportando os vários esboços desenhados. Uns mais grosseiros do que outros. Alguns infantis e sem rosto.
Há uma imagem de presos a deambularem, usando roupas e acessórios Hermès e Bottega Veneta, nas escadas da prisão, com a legenda “Coleção de Correções”; uma boneca de papel mostrando a transformação de uma mulher penteada por Sally Hershberger e a usar roupa Dries van Noten para uma sweat-shirt e cuecas da Amazon; uma imagem de uma mulher de óculos grossos de aros pretos confrontando um rececionista atormentado, com um balão a dizer: “Este é um cartão do clube. Passe-o outra vez!”. Um dos desenhos mostra Delvey e uma quase irreconhecível Julia Garner (a atriz que a interpreta na série da Netflix), quando se encontram, pela primeira vez, num hotel chique de Nova Iorque; outro mostra um jornal intitulado The Delvey Crimes, e na capa uma mulher a descansar numa espreguiçadeira.
Todos os trabalhos estão assinados, com uma fonte altamente estilizada, com rabiscos mais extravagantes do que as próprias imagens desenhadas a lápis de cor, pois os acrílicos e pincéis não podem entrar na prisão.
Foi graças à tenacidade de Jessica Pressler, jornalista da revista New York, que esta história veio a público, há quatro anos. A história verídica de uma russa que finge ser uma herdeira alemã em Nova Iorque, conseguindo enganar todos, serve também de base a Inventing Anna, a primeira série escrita por Shonda Rhimes para a Netflix.
A narrativa desta golpista genial, que, na verdade, se chama Anna Vadimovna Sorokina, é feita de requintes de vigarice. Anna considera que trabalhou para o seu sucesso e que merece as suas conquistas, mas, na realidade, ela só entrou no círculo da sociedade nova-iorquina roubando os maiores bancos e hotéis da cidade, além de ter burlado uma série de amigos. Por isso, foi julgada e condenada por crimes de tentativa de furto em diversos graus, roubo de serviços e crimes de colarinho-branco.
Muitos dos que estavam na apresentação de Allegedly falavam de Anna Delvey como um Robin Hood moderno que enfrentou o sistema capitalista. “Acho que ela é uma pioneira na era do golpe. É muito talentosa e pôs a mão em tantas coisas diferentes. É bom vê-la aplicar-se de forma criativa. Há uma arte no golpe, mas gostaria de vê-la a fazer mesmo arte”, disse Taylor Ghrist, aspirante a argumentista, à Rolling Stone.
Houve quem a defendesse e considerasse um ícone feminista: “Ela não é uma golpista de todo. É uma mulher que estava a tentar abrir uma empresa e arranjar capital. Isso nunca teria acontecido com um homem. (…) Por alguma razão, esta mulher foi apanhada à hora errada, no lugar errado.”
Sendo público que Anna Delvey terá recebido mais de 300 mil dólares (278 mil euros) ao vender os seus direitos vitalícios para a Netflix por Inventing Anna, esta mostra de arte tem a coleção estimada entre 400 mil e 500 mil dólares (entre 371 mil e 463 mil euros).
O objetivo da apresentação seria vender 48% da coleção, já estando a ter lucro.
A Founders Art Club é a empresa responsável pelas vendas das obras, um “verdadeiro negócio” para o co-fundador Patrick J. Peters.
“Ela fez algo errado e cumpriu a sua pena. Esta é uma oportunidade para se expressar de maneira mais permanente e entrar no mundo que tentou entrar da maneira errada, na primeira vez”, justifica Chris Martine, o outro co-fundador.
Atualmente, há quatro mil impressões dos trabalhos disponíveis, possíveis de comprar a partir de 250 dólares.
“Todos sentimos pelas vítimas que foram injustiçadas neste caso ou em qualquer outro. Mas, não nos cabe a nós determinar como é que essas pessoas, e por que meio, serão indemnizadas”, diz Chris Martine.
Mais tarde, naquela noite, foi projetada uma entrevista de Anna Delvey com a podcaster Niki Takesh, que pediu muito para Delvey fazer falar da roupa que estava a usar e dar uma voltinha com o seu uniforme prisional. Para EJ Dickson, jornalista da Rolling Stone, Anna Delvey tinha feito tudo errado e, de alguma forma, ao fazê-lo, conseguiu absolutamente tudo o que queria. Será este o caminho da redenção de quem já tem um milhão de seguidores no Instagram?