O procurador do processo de José Sócrates que está na fase de julgamento – a parte da Operação Marquês relativa a suspeitas de falsificação de documentos e branqueamento de capitais – entregou, esta sexta-feira, um requerimento, no qual pede que o antigo primeiro-ministro informe o tribunal se “entre 9 abril de 2021″, dia da decisão instrutória que o pronunciou para julgamento, “e a presente data, alguma “vez se deslocou ao estrangeiro e aí permaneceu por mais que cinco dias”.
No mesmo documento, a que a VISÃO teve acesso, o procurador Vítor Pinto questiona ainda “qual a razão por que não informou nos autos a sua ausência por mais de cinco dias”, acrescentando que a informação é pedida “tendo em vista art.203, nº1” do Código do Processo Penal. Isto é: o artigo que prevê a revisão das medidas de coação em caso de incumprimento: “Em caso de violação das obrigações impostas por aplicação de uma medida de coacção, o juiz, tendo em conta a gravidade do crime imputado e os motivos da violação, pode impor outra ou outras medidas de coacção previstas neste Código e admissíveis no caso”
O pedido do Ministério Público surge na sequência de uma investigação da VISÃO, que revelou as viagens feitas por José Sócrates ao Brasil, sendo que o arguido nunca comunicou ao tribunal qualquer ausência da sua residência, na Ericeira, por mais de cinco dias, tal como estabelece o Termo de Identidade e Residência (TIR).
É precisamente que por este ponto que o procurador do processo começa o seu requerimento, recordando que José Sócrates está sujeito ao TIR, uma medida de coacção que foi confirmada, a 9 de abril, com o despacho de instrução do juiz Ivo Rosa.
“Todavia, não se colhe dos autos que o arguido tenha alguma vez vindo aos mesmos comunicar as noticiadas ausências por mais de cinco dias e, nessa sequência, informar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado, o que constitui violação de obrigação decorrente do TIR a que se encontra sujeito”, escreveu o procurador.
Defesa contesta
Entretanto, em declarações à Agência Lusa, O advogado de José Sócrates considerou esta quinta-feira que o Ministério Público (MP) não tem competência para pedir uma reavaliação da medida de coação motivada pelas viagens do antigo primeiro-ministro, desvalorizando a não comunicação ao tribunal.
“José Sócrates continua a residir na Ericeira e nunca se ausentou em termos que o obrigassem a comunicar nova residência onde pudesse ser encontrado”, afirmou Pedro Delille à Lusa, a propósito da notícia avançada na quarta-feira pela revista Visão sobre viagens regulares de Sócrates ao Brasil para fazer um doutoramento numa universidade em São Paulo sem comunicar ao tribunal.
Pedro Delille rejeitou que a não comunicação destas ausências possa levar o MP a pedir uma alteração da medida de coação de termo de identidade e residência (TIR), aplicada a Sócrates no âmbito do processo Operação Marquês, sublinhando “que o MP não tem competência para pedir a reavaliação da medida de coação motivada pela ausência”.
O advogado citou a alínea d) do número 3 do artigo 196.º do Código de Processo Penal (CPP), no qual se pode ler que o incumprimento do TIR “legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência”.
O mesmo artigo do CPP indica na alínea b) que o arguido de um processo deve ter conhecimento “da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado”.
Pedro Delille acrescentou ainda que uma eventual comunicação do ex-governante de que iria ausentar-se “seria sempre motivo para haver devassa da vida privada, face ao que aconteceu no passado, em que foram sempre utilizadas situações processuais para haver intromissão” na vida privada. “José Sócrates não se vai sujeitar a partilhar a sua vida privada com a comunicação social. E está nesse direito”, salientou.
No entanto, o advogado revelou estar a “ponderar fazer uma exposição à juíza do processo relativamente às viagens, para que não haja equívocos” provocados pelas ausências do antigo primeiro-ministro.
José Sócrates tinha sido acusado pelo MP no processo Operação Marquês, em 2017, de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, mas na decisão instrutória, em 09 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar José Sócrates de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos.