No mesmo mês, novembro de 2021, em que a sua mulher, Maria de Jesus Rendeiro, foi detida, em Portugal, por suspeitas de descaminho das obras de arte, João Rendeiro, escondido na África do Sul, declarava: “Se a ideia de atacar a Maria é fazer-me regressar a Portugal, não terá qualquer êxito”. Numa entrevista, no dia 22 daquele mês, à CNN/Portugal, o banqueiro mostrava-se determinado em continuar em fuga: “Liberdade ou morte.”
Três semanas após a entrevista, João Rendeiro acabaria por ser detido pela polícia sul-africana (11 de dezembro 2021), depois de as autoridades portuguesas terem emitido um mandado de captura internacional para a prisão do antigo presidente do Banco Privado Português. Os seus últimos anos foram marcados por várias maratonas: a judicial, em Portugal, com vários processos que se arrastaram durante vários anos; a fuga, que se iniciou no início de dezembro; e o processo de extradição, que até esta sexta-feira continuava sem decisão nos tribunais sul-africanos.
Apesar das (más) condições da cadeia de Westville, onde foi colocado após a detenção, o antigo banqueiro preferiu contestar o pedido de extradição do que aceitar voluntariamente ser transferido para Portugal, onde à sua espera estava uma pena de cinco anos e oito meses de prisão por crimes de falsidade informática e falsificação de documento.
As audiências do processo de extradição foram as únicas oportunidades que Rendeiro desfrutou fora da cela da cadeia, local onde passava grande parte do tempo, evitando contactos com a restante população prisional de Westville. Em janeiro deste ano, aliás, a sua advogada sul-africana, June Marks, queixava-se, precisamente, das condições da cela, relatando que o banqueiro estava confinado a uma cela de 1,4 metros. E, numa carta enviada às Nações Unidas, alegou ainda falta de assistência médica, de alimentos e até de segurança.
Mesmo assim, João Rendeiro, que ia fazer 70 anos dentro de alguns dias, preferia manter-se na África do Sul. No final de uma das sessões de julgamento do processo de extradição, quando os jornalistas portugueses presentes na África do Sul lhe perguntaram se não preferia regressar ao seu País, o antigo banqueiro foi categórico: “Eu não vou regressar a Portugal.”
A fuga do banqueiro terminou, como seria de esperar, sem qualquer responsável. Há uma semana, o Conselho Superior da Magistratura decidiu arquivar um processo de averiguações, aberto para apurar responsabilidades dos vários juízes que intervieram nos processos e que, por ação ou omissão, terão permitido a fuga. A conclusão foi de que apenas houve má comunicação entre tribunais de primeira instância, Relação, Supremo e Constitucional.
África do Sul abre investigação
Esta sexta-feira, após ter sido conhecida a notícia da sua morte, June Marks disse à Agência Lusa que o antigo presidente do Banco Privado Português (BPP) foi encontrado enforcado na cadeia e que as autoridades estão a investigar as circunstâncias do que aconteceu. Numa nota enviada à Lusa, o Departamento de Serviços Penitenciários da África do Sul informa que “lançou urgentemente uma investigação para determinar a causa e as circunstâncias que levaram à sua morte”.
A advogada relatou ainda que, nas últimas semanas, notou uma mudança de comportamento de João Rendeiro na cadeia de alta segurança de Westville, em Durban, na África do Sul, dizendo que o seu cliente, apesar de “confiante e animado” numa decisão favorável que o mantivesse na África do Sul, estava com um comportamento “errático”.
O porta-voz dos serviços prisionais da África do Sul, Singabakho Nxumalo, explicou que o ex-banqueiro foi encontrado morto na cela onde estava detido “perto da meia-noite desta quinta-feira pelos guardas prisionais”. “O DCS lançou urgentemente uma investigação para determinar a causa e as circunstâncias que levaram à sua morte”, conclui a nota.
“Assim que tivermos os resultados da autópsia, serão anunciadas as causas da morte, a investigação continuará para determinar as causas da morte. Estamos também a investigar a hora em que se realizou a última ronda [às celas], a hora que foi visto na cela e quando é que foi constatada a morte”, explicou.
Segundo porta-voz, o corpo de João Rendeiro foi transportado para uma morgue fora da cadeia, em Durban, onde será submetido a uma autópsia para se averiguar as causas da sua morte. “Os nossos funcionários descobriram o corpo, alertando posteriormente os funcionários superiores sobre o incidente”, explicou à Lusa Nxumalo.