Maria Luís Gameiro, 43 anos, é administradora, diretora-executiva ou gerente em oito empresas. O negócio das máquinas para obras públicas, construção civil e trabalho agrícola preenche-lhe boa parte do tempo, mas também dedica muitas horas ao Centro Hiperbárico de Cascais, além de supervisionar outros investimentos na área da restauração e num ateliê de arquitetura. A agenda pode ser apertada, mas tem de sobrar espaço para a diversão, nem que seja ao fim de semana: o todo o terreno.
Esta mulher dos oito ofícios adora pilotar, mas não lhe chega a velocidade pura e dura. O fator surpresa, que esta vertente do desporto automóvel oferece em doses generosas, é um aliciante que faz toda a diferença. Exemplifica: na última corrida que fez, em fevereiro, no Alentejo, teve de se desviar de um veículo civil que vinha na sua direção, em sentido contrário. “Enquanto nos carros de corrida já todos conhecem a pista e é só uma questão de velocidade, no todo o terreno é preciso poupar o carro e sermos regulares. Há ali uma mística muito grande”, salienta Maria Gameiro, que em 2022 está de regresso às competições, depois de 11 anos afastada, para disputar o Rali da Andaluzia, em Espanha.
Com cerca de três mil quilómetros de extensão, a prova a que muitos chamam mini Dacar decorre, entre 7 e 12 de junho, nas imediações de Sevilha, Málaga e Cádis. As praias desta última cidade recebem o final do rali, a fazer lembrar a chegada do Paris-Dacar original, nas areias costeiras do Senegal. Não admira o desejo de recordar outros tempos: a organização está a cargo da ASO, a mesma do Dacar. O Rali da Andaluzia é hoje uma das cinco etapas do Campeonato do Mundo de todo o terreno, a única na Europa.
O fascínio de Maria Gameiro pelos automóveis começou a manifestar-se com a maioridade. Desde que tirou a carta de condução, assim que fez 18 anos, foi chamada ao papel de motorista da família. “O meu pai não gostava de conduzir e entregou-me logo o carro”, conta. Ela, pelo contrário, deliciava-se ao volante do Opel Vectra familiar. Não ao ponto de imaginar-se em corridas de automóveis, um mundo dominado por homens. Foi só quando se enamorou por José Gameiro, então já um piloto com experiência no todo o terreno, que a oportunidade surgiu.
“Os meus olhos brilhavam sempre que o via nas provas e, primeiro, ele convidou-me para experimentar como copiloto, o que eu não me importaria, mas infelizmente enjoo quando vou ao lado”, lembra Maria. Não havia outra hipótese senão a de assumir ela própria as rédeas da condução, o que aconteceu pela primeira vez em 2009, na Baja de Portalegre, “a corrida mais importante a nível nacional” no que toca ao todo o terreno.
Até 2011, competiu no Campeonato Nacional ao serviço da equipa Motivo, o nome da empresa de máquinas industriais ainda hoje presidida pelo marido. Devido à crise económica, porém, a equipa abandonou a cena e assim se manteve ao longo de uma década. Até que José Gameiro voltou a competir em setembro passado, abrindo a porta para a mulher lhe seguir as pisadas em 2022.
Antes como agora, a piloto natural de Vila de Rei, na Beira Baixa, é a única mulher a disputar o Nacional de todo o terreno e, na Andaluzia, a julgar pela presença feminina na edição do ano passado, espera encontrar não mais de “três ou quatro senhoras” ao volante de automóveis, “todas profissionais”.
“Eu sou amadora e, se terminar a uma ou duas horas delas, será muitíssimo bom. O objetivo é chegar ao fim. A ideia de ir à Andaluzia é a de ganhar quilómetros e experiência porque só assim é possível evoluir num desporto destes”, afirma, realista. “Vai ser a minha primeira internacionalização, nunca corri fora de Portugal. É uma corrida de referência, a mais importante na Europa e, talvez, a terceira do mundo. Vou correr contra um [Stéphane] Peterhansel, um Carlos Sainz, um [Nasser] Al-Attiyah , um [Sébastien] Loeb, só para falar dos melhores do mundo.” No total, haverá cerca de 150 pilotos em ação na categoria dos automóveis.
Maria Gameiro vai chegar a Sevilha, para a partida, com menos quilómetros percorridos no seu Mini All4Racing do que aqueles que totalizará, se completar as cinco etapas do rali. Depois da Baja dos Montes Alentejanos, em fevereiro, estará, neste fim de semana, na Baja do Oeste e, a seguir, tem previsto realizar apenas mais um treino, a juntar a outros “três ou quatro” que já completou desde que recebeu o Mini, em meados de fevereiro. “Ainda não tenho mão no carro, mas é muito divertido”, admite, sorridente, ela que já atingiu os 170 kms/h definidos pela FIA (Federação Internacional do Automóvel) como o limite máximo permitido.
A restante preparação passa por treinos intensos de ginásio, “três a quatro dias por semana”, seguidos de sessões de oxigenoterapia hiperbárica para “ajudar na recuperação muscular e na prevenção de lesões”. Para um dia se estrear no Dacar, uma ideia que por enquanto pertence ao domínio dos sonhos, diz que precisaria de mais quilómetros na bagagem “para fazer sentido” tentar. Das três versões, em África, na América do Sul e nas Arábias, teria preferido uma das duas primeiras, “por terem uma maior variedade de terrenos” e não se limitarem às dunas.
Na estrada, Maria garante que é “uma condutora muito cautelosa e defensiva”, mas em prova desfruta “da adrenalina da velocidade” e do “desafio” de se superar a si mesma. Essas sensações não mudaram, apesar do interregno de mais de uma década longe da prática. Na sua rotina laboral, também há hábitos que se mantêm inalterados ao longo dos anos.
“Qualquer CEO a nível nacional tem uma secretária, mas eu não. Tenho pessoas que me apoiam nas várias empresas, mas sou eu que faço a gestão da minha agenda”, revela a empresária, destacando o esforço para ser “muito criteriosa com os horários”. E mais ainda agora que não pode faltar um ou outro “furo” para encaixar a sua faceta de piloto de todo o terreno.