Na primeira pessoa: “Aceitar que chegou a hora da separação é uma forma brutalmente dolorosa de se amar, mas é a mais extraordinária”

Foto: Lucília Monteiro

Na primeira pessoa: “Aceitar que chegou a hora da separação é uma forma brutalmente dolorosa de se amar, mas é a mais extraordinária”

Nunca quis ser médica, decidi-o já no 12º ano, a poucas semanas de entrar para a faculdade. A vontade de ser pediatra foi crescendo ao longo do curso, por ser uma especialidade em que contactamos com doenças de várias áreas. É completamente diferente cuidar de um recém-nascido, de um lactente com 12 meses, de uma criança com 3 anos ou de um adolescente. Quando se escolhe ser pediatra não é para tratar crianças que podem morrer. A pediatria é uma especialidade de cura, de pouca medicação e poucos internamentos. O grande desafio é lidar com as crianças, mas também com os seus pais, que nos exigem respostas às suas inquietações. Uma criança doente será sempre contranatura.

Os meus doentes colocam questões muito simples: “Ainda é possível assistir à festa de anos do meu irmão?” ou “Ainda é possível fazer a viagem à Disney que tanto gostava?”.

É frequente a criança preocupar-se com o que acontecerá se morrer. Se a mãe ficará bem, se se irá esquecer dela, como ficarão os pais quando ela partir porque não têm outros filhos… “A minha mãe não chora ao pé de mim, mas eu sei que não anda bem.” Temos de dar-lhes espaço e ouvir o que, por vezes, é reprimido pelas famílias. Demora algum tempo até os pais se consciencializarem da importância de conversarmos com as crianças e com os seus irmãos sobre o que está a acontecer. É preciso perceber o que a criança doente nos quer perguntar sobre o que está viver.

Temos de compreender onde as crianças querem estar, quais as suas expectativas, desejos e preferências. Algumas querem saber as opções terapêuticas, qual o prognóstico e se há cura.

Temos famílias que nos surpreendem muito nos últimos dias de vida dos filhos. Parecia que nunca iam aceitar o desfecho menos favorável e, no final, dizem-nos: “Sempre soube que isto ia acontecer.”

Para mim, é muito importante estar presente, da maneira mais próxima possível, nas últimas horas e dias da criança. Uma questão fundamental para o meu luto, enquanto profissional, é saber que fiz tudo o que estava ao meu alcance para ter a certeza de que as coisas corriam o melhor possível

Trabalhar em cuidados paliativos pediátricos não é triste, nem deprimente, como as pessoas possam imaginar. A maioria das nossas hospitalizações têm muita vida, atividades e coisas para fazer. Nos internamentos de pediatria, temos educadoras e professoras para quem frequenta a escola e fica mais de duas semanas – é uma forma de irem desligando do hospital e aproximando-se do regresso a casa. Das estratégias de distração fazem parte tablets, mas também balões bem grandes, em forma de coração, para assinalar datas festivas, épocas importantes e obstáculos ultrapassados; e um unicórnio, um peluche muito fofinho, especialmente apreciado pelos mais pequenos, para que o ambiente seja o mais “desospitalizado” possível. Também damos altas, nem todas as crianças em cuidados paliativos vão morrer.

Obviamente, há momentos emocionalmente muito difíceis e dolorosos. Nós também temos de fazer o luto das crianças que acompanhamos, mas 95% dos nossos dias não são a falar sobre a morte, são a falar sobre a vida. É um desafio constante conseguirmos ajudar famílias que estão num processo de grande sofrimento. E percorrer com elas um caminho que, no final, não tem a bandeira da cura – mais de 90% dos casos são incuráveis –, mas garante qualidade de vida, conforto e viver cada dia da forma mais plena possível. É uma área em que se pensa que a Medicina deixa de dar resposta, mas a Medicina continua a dar muitas respostas.

Palavras que tiram a voz

Nos cuidados paliativos, o trabalho em equipa é fundamental. É em equipa que decidimos como vamos falar com cada família e que partilhamos as conversas difíceis. Na maior parte dos casos, há tempo para prepararmos a comunicação da má notícia. A maioria das doenças são progressivas e conseguimos estimar o que vai acontecer ao longo do tempo.

A comunicação tem um efeito tão importante e tão potente como uma medicação bem ou mal dada. Temos famílias muito marcadas por erros de transmissão de profissionais de saúde com quem contactaram.

Refletimos muito depois de cada má notícia e cada profissional tem de ter as suas próprias estratégias. Lidamos com muitas situações em que, num segundo, a vida roda 180º graus, e aprendemos a valorizar o que temos de bom.

Há casos que nos emocionam bastante porque são situações mais próximas, acompanhámos as famílias durante um longo tempo. Para mim, é muito importante estar presente, da maneira mais próxima possível, nas últimas horas e dias da criança. Uma questão fundamental para o meu luto, enquanto profissional, é saber que fiz tudo o que estava ao meu alcance para ter a certeza de que as coisas corriam o melhor possível. O nosso trabalho não se esgota no dia em que a criança morre, continua no apoio à família. Saber que tudo correu da forma mais serena possível ajuda-me muito.

Guardo frases que, por mais anos que viva, não esquecerei. Acompanhámos um menino que morreu aos 9 meses, com um défice visual grave, entre outros problemas, e a mãe dizia: “Se, pelo menos, pudesse dar-te os meus olhos.” Fica-se sem voz, sem fôlego. Outros momentos que não esqueço são os mais próximos do fim da vida, em que uma mãe dizia: “Sei que está na hora de deixar a minha filha partir. Dói muito, mas é a melhor forma que tenho de a amar para o resto da minha vida.”

Aceitar que chegou a hora da separação é uma forma brutalmente dolorosa de se amar, mas é a mais extraordinária; deixar todo o egoísmo para trás e compreender que chegou o momento e que é melhor assim. Aprendemos muito com essas famílias. Chora-se quando é preciso. A regra é não podermos chorar mais do que os pais, mas há fins de vida que nos emocionam muito e não há mal nenhum em chorar.

Palavras-chave:

Mais na Visão

Mais Notícias

JL 1396

JL 1396

Capitão Salgueiro Maia

Capitão Salgueiro Maia

Rir é com ela!

Rir é com ela!

Os nomes estranhos das fobias ainda mais estranhas

Os nomes estranhos das fobias ainda mais estranhas

Os lugares desta História, com Isabel Stilwell: Filipe I de Portugal, por fim

Os lugares desta História, com Isabel Stilwell: Filipe I de Portugal, por fim

Bruna Gomes e Bernardo Sousa brilham no casamento de Dânia Neto

Bruna Gomes e Bernardo Sousa brilham no casamento de Dânia Neto

No Porto, interiores com identidade clássica e conforto intemporal

No Porto, interiores com identidade clássica e conforto intemporal

Empregos rotineiros aumentam risco de demência. O que diz um novo estudo

Empregos rotineiros aumentam risco de demência. O que diz um novo estudo

Lisboa através dos tempos na VISÃO História

Lisboa através dos tempos na VISÃO História

Montenegro diz que

Montenegro diz que "foi claríssimo" sobre descida do IRS

5 restaurantes para provar a verdadeira comida indiana - dos rotis aos melhores chacutis

5 restaurantes para provar a verdadeira comida indiana - dos rotis aos melhores chacutis

Catarina Gouveia - nova coleção primavera/verão mantém elegância e intemporalidade

Catarina Gouveia - nova coleção primavera/verão mantém elegância e intemporalidade

Liga dos Bombeiros defende que Governo devia acabar com agência de fogos rurais

Liga dos Bombeiros defende que Governo devia acabar com agência de fogos rurais

Em “Senhora do Mar”: Judite conhece Manuel e denuncia farsa de Joana

Em “Senhora do Mar”: Judite conhece Manuel e denuncia farsa de Joana

DS E-Tense Performance: Serão assim os superdesportivos do futuro?

DS E-Tense Performance: Serão assim os superdesportivos do futuro?

Chief Innovation Officer? E por que não Chief Future Officer?

Chief Innovation Officer? E por que não Chief Future Officer?

Um som que só pode ouvir em Portugal: sabe qual é?

Um som que só pode ouvir em Portugal: sabe qual é?

Limpeza de faixas permite manter abastecimento de energia sem falhas

Limpeza de faixas permite manter abastecimento de energia sem falhas

DS E-Tense Performance: Serão assim os superdesportivos do futuro?

DS E-Tense Performance: Serão assim os superdesportivos do futuro?

Pigmentarium: perfumaria de nicho inspirada na herança cultural da República Checa

Pigmentarium: perfumaria de nicho inspirada na herança cultural da República Checa

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Na Culturgest, Tiago Rodrigues conta-nos histórias de quem presta ajuda humanitária na guerra

Na Culturgest, Tiago Rodrigues conta-nos histórias de quem presta ajuda humanitária na guerra

Bougain: Um ano a reavivar a História em Cascais

Bougain: Um ano a reavivar a História em Cascais

O fenómeno dos creme Cica e por que precisa de um no nécessaire

O fenómeno dos creme Cica e por que precisa de um no nécessaire

Na CARAS desta semana, o casamento de sonho de Dânia Neto e Luís Matos Cunha

Na CARAS desta semana, o casamento de sonho de Dânia Neto e Luís Matos Cunha

Inspire-se no

Inspire-se no "look" de Maria Cerqueira Gomes

Tesla despede mais de 14 mil trabalhadores

Tesla despede mais de 14 mil trabalhadores

Os lugares desta História, com Isabel Stilwell: Elvas, capital do Império onde o sol nunca se põe

Os lugares desta História, com Isabel Stilwell: Elvas, capital do Império onde o sol nunca se põe

Sony Bravia traz o cinema para casa com novos televisores e barras de som

Sony Bravia traz o cinema para casa com novos televisores e barras de som

Dânia Neto usou três vestidos no casamento: os segredos e as imagens

Dânia Neto usou três vestidos no casamento: os segredos e as imagens

Raquel Prates assume: “Tenho uma enorme admiração pela filha do Juan”

Raquel Prates assume: “Tenho uma enorme admiração pela filha do Juan”

Descubra 6 pistas para ter no seu jardim os tecidos certos

Descubra 6 pistas para ter no seu jardim os tecidos certos

25 de Abril, 50 anos

25 de Abril, 50 anos

A gestão aos gestores

A gestão aos gestores

Consumo de queijo pode melhorar o foco, a atenção e até a capacidade de tomar decisões

Consumo de queijo pode melhorar o foco, a atenção e até a capacidade de tomar decisões

Desfile de joias e elegância no jantar de gala oferecido pelos reis dos Países Baixos em honra dos reis de Espanha

Desfile de joias e elegância no jantar de gala oferecido pelos reis dos Países Baixos em honra dos reis de Espanha

“Juntos temos mais impacto”: conversa com Paz Braga

“Juntos temos mais impacto”: conversa com Paz Braga

50 anos do 25 de Abril: 14 livros com vista para a liberdade

50 anos do 25 de Abril: 14 livros com vista para a liberdade

No primeiro dia de visita aos Países Baixos, Letizia surpreende com ombros nus e saia prateada

No primeiro dia de visita aos Países Baixos, Letizia surpreende com ombros nus e saia prateada

As melhores imagens da equipa PRIO - Exame Informática - Peugeot no Eco Rally Portugal

As melhores imagens da equipa PRIO - Exame Informática - Peugeot no Eco Rally Portugal

Exame Informática TV nº 859: Veja dois portáteis 'loucos' e dois carros elétricos em ação

Exame Informática TV nº 859: Veja dois portáteis 'loucos' e dois carros elétricos em ação

VISÃO Júnior de abril de 2024

VISÃO Júnior de abril de 2024

Transplante pulmonar deu uma

Transplante pulmonar deu uma "segunda vida" a 400 doentes em Portugal

Philippe e Mathilde da Bélgica oferecem jantar de gala aos grão-duques Henri e Maria Teresa do Luxemburgo

Philippe e Mathilde da Bélgica oferecem jantar de gala aos grão-duques Henri e Maria Teresa do Luxemburgo

Xiaomi 14: Desempenho de topo

Xiaomi 14: Desempenho de topo

Parceria TIN/Público

A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites