A indústria tauromáquica tem beneficiado nos últimos anos de milhões de euros em fundos da União Europeia, no âmbito do mecanismo da Política Agrícola Comum (PAC), numa época em que a contestação das touradas tem subido de tom um pouco por todo o mundo. A denúncia parte de ativistas a que o The Guardian dá voz. A PAC foi implementada em 1962 e, segundo o site da Comissão Europeia, tem como principal objetivo “apoiar os agricultores e melhorar a produtividade do setor agrícola, garantindo um abastecimento estável de alimentos a preços acessíveis”. Essencialmente, a PAC funciona como um sistema de atribuição e distribuição de fundos para os agricultores europeus. Estes subsídios são normalmente alocados de acordo com a dimensão da área cultivável, e não tendo em conta o tipo específico de criação animal ou produção agrícola.
Para os ativistas dos direitos dos animais, é este mesmo o principal problema: neste momento, não é legalmente possível impedir que os fundos sejam usados para sustentar atividades relacionadas com a tourada. O próprio Janusz Wojciechowski, Comissário Europeu da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, mencionou precisamente esse ponto quando teve de responder, em janeiro de 2021, a uma pergunta colocada pelo eurodeputado austríaco Harald Vilimsky – que pretendia averiguar qual era quantidade de fundos que teria ido até à data para a criação de touros bravos –, referindo que não podia “colocar de parte que os criadores de touros possam estar a beneficiar de pagamentos diretos, desde que cumpram os requisitos de elegibilidade…a utilização final dos animais apoiados não é abrangida pelas condições de elegibilidade”.
O parlamento europeu já tentou em várias ocasiões suprimir esta lacuna na arquitetura jurídica da PAC, mas até hoje ainda não teve sucesso. Em 2015, uma proposta para banir os criadores dos chamados touros de lide de receberem fundos europeus foi aprovada por uma maioria considerável no Parlamento Europeu – 438 votos a favor e 199 contra –, mas nunca chegou a ser aplicada devido à inação dos altos representantes europeus perante a necessidade de alterar as especificidades legais da PAC.
Mais recentemente, em 2020, o grupo parlamentar europeu dos Verdes apresentou duas emendas à lei da PAC que visavam proibir os criadores de touros bravos de beneficiar de fundos agrícolas suplementares – um outro tipo de subsídio que, em alguns casos, poderá ser acrescentado ao subsídio base (aquele que depende da dimensão da área cultivável). Uma delas foi aprovada com uma maioria significativa, mas acabou por não figurar no projeto de lei final da PAC para 2021-2026.
O eurodeputado português independente Miguel Guerreiro – anteriormente do PAN – disse que os fundos da Europa funcionam como um “balão de oxigénio que está continuamente a ajudar esta indústria a sobreviver”. Segundo a análise da Unión de Criadores de Toros de Lidia, uma associação espanhola dedicada à representação de criadores de touros bravos, o setor tauromáquico europeu iria perder cerca de 200 milhões de euros anuais se a torneira dos subsídios secasse. Esta quantia tem sido fundamental para a subsistência da indústria, que foi particularmente fustigada pela interrupção dos eventos culturais no âmbito da pandemia e tem, nos últimos tempos, assistido a um declínio de receitas, audiências e a uma relação cada vez mais antagónica com os grupos de defesa dos direitos dos animais e vários outros setores da sociedade civil. Em Portugal, por exemplo, foi aprovada em 2021 uma lei que elevou a idade mínima para assistir a uma tourada de 12 para 16 anos, um duro golpe para as atividades tauromáquicas.
De acordo com os dados da plataforma cívica portuguesa ‘Basta’, dedicada à abolição das touradas em Portugal, o número de touradas realizadas em território português tem vindo a diminuir significativamente desde 1998, tendo atingido um mínimo histórico em 2019, quando se praticaram apenas 174 touradas (em comparação, em 2006 realizaram-se 269).
A linha de defesa dos representantes tauromáquicos afirma que a morte dos touros bravos “é mais rápida e envolve menos sofrimento” do que a de muitos animais criados para fins comerciais, e apela à relevância da tourada no panorama cultural dos vários países – especialmente nos casos de Espanha, França e Portugal.