Há países, como a Holanda ou Inglaterra, que já vão à nossa frente no aliviar das medidas contra a Covid-19. Por cá, esta é a semana decisiva para saber se nos juntamos a eles ou se, por outro lado, ficamos à espera de melhores dias para deixar cair as máscaras. Os especialistas dividem-se entre os mais conservadores e os mais arrojados. Mas numa coisa todos concordam: a pandemia ainda não acabou.
As medidas atuais implicam limitação de uma pessoa por cada cinco metros quadrados em espaços comerciais; uso obrigatório de certificado digital para acesso a restaurantes, estabelecimentos turísticos e alojamento local, espetáculos culturais, eventos com lugares marcados e ginásios; obrigatoriedade de teste para visitas a lares, a pacientes internados em estabelecimentos de saúde, grandes eventos sem lugares marcados ou em recintos improvisados e recintos desportivos; proibição de consumo de bebidas alcoólicas na via pública; e isolamento de sete dias para infetado e coabitantes que não tenham dose de reforço.
O pneumologista Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, defende um novo desconfinamento faseado, monitorizado e acompanhado das medidas de prevenção, como o reforço da vacinação, e das não farmacológicas, como o uso de máscaras ou o distanciamento social.
“O facto de termos chegado até aqui é fruto de tudo o que fizemos e que nos permitiu ganhar tempo para desenvolver as armas mais eficazes, como as vacinas e os novos medicamentos, que já estão disponíveis em vários países europeus e que chegarão cá em breve, idealmente até ao final deste mês”, nota.
A VISÃO soube, entretanto, que a DGS está a ultimar uma norma para legalizar a sua utilização em Portugal.
É por isso que o especialista considera que se pode e deve aligeirar as medidas, até para lhes dar credibilidade. A situação hoje é totalmente diferente da de há um ano.
A reunião do Infarmed deverá então servir para estabelecer patamares para o alívio progressivo das medidas. Filipe Froes propõe uma prova de conceito, baseada num sistema de semáforos, relacionando esse alívio com a descida esperada dos indicadores de risco: número de internamentos por 100 mil habitantes, percentagem de camas em cuidados intensivos face às linhas vermelhas e taxa de reforço vacinal.
A chegar ao amarelo
Pelas suas previsões, faltam poucos dias para chegar ao semáforo amarelo, pois os números estão a descer rapidamente. Significa isso que teria de haver 25 internamentos por covid (há que fazer a distinção do por e do com covid) por 100 mil habitantes (2500), 50% de camas ocupadas (122) e uma taxa de reforço nos 60 por cento. Dia 15 tivemos 2270 pessoas internadas, 147 delas em cuidados intensivos e a vacinação com a terceira dose ronda os 54 por cento.
Com este enquadramento, Filipe Froes considera que a máscara deixa de ser necessária, exceto em espaços públicos fechados, em pessoas vulneráveis ou com sintomas, se saírem do isolamento antes dos 10 dias, em visitas a instituições de saúde ou no caso dos profissionais de saúde.
O isolamento passaria, nessa fase, para 5 dias só para os casos de doença ligeira ou moderada. Os assintomáticos não necessitariam de ficar em casa, só deveriam usar máscara e limitar contactos com pessoas de risco.
A testagem maciça acabaria, exceto em surtos de moderada ou grande dimensão ou em rastreios a populações de risco. O certificado de vacinação ou recuperação passaria a ser limitado a algumas atividades de maior exposição, como restaurantes ou grandes eventos. Estas decisões dos casos específicos caberiam sempre às autoridades de saúde.
Quando chegarmos ao semáforo verde, com menos de mil internados por Covid, 61 camas em cuidados intensivos e taxa de reforço acima dos 70%, deixa de ser precisa a máscara em espaços públicos, mas mantêm-se as exceções do amarelo. O isolamento passará a ser um critério clínico e não uma imposição geral, assim como a testagem. O certificado de vacinação deixa de fazer sentido neste enquadramento.
Alívio, mas não para já
Por outro lado, Miguel Castanho, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, aconselha a que não se esqueça a matriz de risco definida no ano passado, quando as linhas verdes exigiam que estivéssemos nos 120/140 casos por 100 mil habitantes a 14 dias. Neste momento, andamos à volta dos cinco mil (um número 40 vezes superior ao estabelecido nessa altura).
O investigador principal do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes duvida que antes de duas a três semanas consigamos lá chegar e espera que seja só então que algumas medidas deixem de ser obrigatórias. “Esta não será a última variante, por isso é preciso estarmos num valor de incidência seguro”, justifica.
O número de mortos é outro indicador que preocupa este especialista, embora saiba bem como nos encontramos a léguas do inferno de há um ano. No entanto, “nas últimas três semanas morreram tantas pessoas por Covid como em acidentes nas estradas em dois anos. Estamos muito longe do que se pode considerar razoável.”
Em sua opinião, esta reunião do Infarmed deveria servir apenas para definição das metas a alcançar e das medidas a aliviar nessa altura, talvez daqui a três semanas. Se os indicadores mostrarem uma nova fase, em que o vírus circulará menos, então introduza-se um novo pacote de mudanças para assinalar a diferença de contexto. E, depois, haverá sempre que vigiar para não descontrolar.
Nesse sentido, a máscara continuaria a ser obrigatória em grandes eventos e ajuntamentos em espaços fechados. O mesmo seria válido para o certificado de vacinação ou teste para os não vacinados.
As regras de renovação do ar em espaços públicos interiores deveriam tornar-se rigorosas, assim como a lotação desses espaços, nomeadamente os transportes.
Quanto ao isolamento, Miguel Castanho defende-o para todos os casos positivos. E até que se prove que o biologia do vírus mudou, ele deve manter-se durante sete dias. “É preciso não esquecer que se trata de uma doença infecto-contagiosa, que pode ser potencialmente perigosa.” Só os chamados contactos de risco podem ir à sua vida, quando o ambiente for seguro e a quantidade de vírus a circular for baixa.
A testagem, “uma ferramenta muito útil”, deveria ficar cingida a grandes ajuntamentos e sobretudo para não vacinados – os mais expostos ao risco e o maior risco para os outros.
A norma que ainda proíbe que se ingira bebidas alcoólicas na via pública parece esquecida dos tempos do confinamento total. Por isso, tende a cair num contexto de alívio de medidas.