A busca de um segundo marido para a rainha D. Maria II (o primeiro, príncipe Augusto de Beauharnais, morreu após dois meses de matrimónio, vítima de difteria) foi um processo complexo. O escolhido tinha de ser, claro, um príncipe, para não deslustrar a monarca. Mas tinha também de ser proveniente de uma família aristocrata sem importância política, para escapar ao veto da Coroa britânica e dos Orleães, soberanos de França. Outras condições igualmente determinantes: ser católico, constitucionalista e liberal.

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No apertado leque de candidatos, seria escolhido o sobrinho de Ernesto I, que governava o minúsculo, mas independente, ducado de língua alemã de Saxe-Coburgo-Gotha. Hoje, dir-se-ia que quem conduziu o processo acertou na chave do Euromilhões. Depois de se casarem em 1836, D. Maria II e Fernando de Saxe-Coburgo e Gotha (feito rei consorte D. Fernando II) viveriam uma “união feliz”, diz à VISÃO Maria Antónia Lopes, historiadora e biógrafa do monarca.
Fernando II trouxe, por exemplo, um costume do seu ducado, tornando-se responsável por introduzir em Portugal a tradição da árvore de Natal. Por sua iniciativa, o Natal passou a ser celebrado no Palácio das Necessidades, em Lisboa, em torno de um pinheiro trazido do Parque da Pena, em Sintra (já se explicará porquê), que o monarca decorava com velas, frutos e figuras diversas. Quando chegaram os sete filhos sobrevivos do casal, Fernando II vestia-se de São Nicolau para distribuir pelos pequenos príncipes os brinquedos postos em redor da árvore de Natal. Os primeiros cartões de Boas Festas feitos em Portugal também são da autoria do monarca, que os desenhava para oferecer a familiares.

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Após uma “ampla investigação histórica”, a Parques de Sintra-Monte da Lua tem nesta quadra colocada em exposição, desde 2019, uma “reconstituição rigorosa” da “Árvore de Natal de Fernando II”, no Salão Nobre do Palácio Nacional da Pena, a qual pode ser vista até ao Dia de Reis (6 de janeiro). Autora do livro D. Fernando II – Um Rei Avesso à Política (ed. Temas e Debates), a historiadora Maria Antónia Lopes nota que o monarca avançou com a árvore de Natal e os brinquedos para as crianças sem consultar a Igreja portuguesa. “A rainha e o rei, e depois também os filhos, sobretudo D. Luís I, e até o neto D. Carlos, embora crentes, detestavam aqueles a quem chamavam beatos – os clérigos, as pessoas muito devotas”, diz a especialista. “Não gostavam de procissões nem de cerimónias religiosas muito prolongadas e ostentatórias”, acrescenta. Num “diário-memória”, revela Maria Antónia Lopes, Fernando II deixaria escrito que “a rainha D. Maria II teve uma educação católica tão retorcida e beata que, depois disso, nunca mais encarou bem um padre”.

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Nos primeiros anos do seu casamento, D. Maria II – com as funções políticas de Chefe de Estado – e Fernando II não tiveram a paz familiar que buscavam. “A conjuntura política era muito complexa: houve uma série de revoltas e de golpes palacianos”, diz Maria Antónia Lopes. Mesmo assim, o monarca arranjou tempo e espírito para se encantar por Sintra. Em 1838, adquiriu, com a sua fortuna pessoal, o mosteiro quinhentista de São Jerónimo, em ruínas, bem como toda a mata que o envolvia. Era o princípio da construção do Palácio da Pena (aponta-se geralmente o ano de 1860 como o da conclusão da obra principal), o primeiro a ser erguido na Europa com o estilo do romantismo arquitetónico do século XIX, e que seria classificado como Património Mundial da UNESCO em 1995.
Fernando II investiu a fortuna pessoal na construção do Palácio da Pena e na transformação de uma montanha árida na verdejante serra de Sintra
Fernando II também transformaria uma montanha árida na verdejante serra de Sintra. “Foi preciso aclimatar toda aquela vegetação, o que não era fácil por causa do vento”, conta Maria Antónia Lopes. “Toda a arborização do parque de Sintra deve-se a D. Fernando II”, sublinha a historiadora.
O palácio, a cantora “cómica” e as pateadas
A instabilidade política, essa, só terminaria em 1851, com a Regeneração, designação do período da monarquia constitucional que se seguiu à insurreição militar que levou à queda de Costa Cabral e dos governos de inspiração setembrista, a corrente mais à esquerda do movimento liberal. Dois anos depois, em 1853, D. Maria II não resistiu ao seu 11.º parto. Morreu aos 34 anos e, segundo Maria Antónia Lopes, “deixou o viúvo destroçado”.
O reinado de D. Fernando II também terminaria ali, mas como o herdeiro do trono, o seu filho mais velho, D. Pedro V, tinha então apenas 16 anos, o pai exerceu as funções de regente do Reino até à sua maioridade, em 1855. “A regência dele foi excelente – o país estava pacificado e, desde que não fosse necessário, não intervinha”, diz a biógrafa. “Até porque nessa fase da vida estava saturado dos políticos portugueses, que detestava e desprezava”, acrescenta. De qualquer forma, o homem “muitíssimo culto, poliglota, afável e de consensos”, como a historiadora retrata Fernando II, sabia bem que “a regência, assim como o reinado de um monarca constitucional, é tanto melhor quanto menos intervir no regime parlamentar”.

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O prestígio de Fernando II, porém, cairia por terra quando, em 1869, decidiu casar-se pela segunda vez, com a suíça Elise Hensler, cantora de ópera. “Foi um escândalo tremendo à época, uma coisa horrorosa”, conta Maria Antónia Lopes. “Houve campanhas brutais contra o casal, que era pateado quando aparecia em público”, diz a biógrafa.
Embora o casamento tivesse sido morganático (isto é, a esposa não adquire os títulos e a categoria do marido, pelo que Hensler nunca integrou a família real portuguesa), as más-línguas menosprezavam Elise como “cantora cómica”. Era considerada “uma mulher de mau porte”, resume Maria Antónia Lopes.
Para piorar a situação, tinha uma filha de um casamento anterior, embora o negasse. E depois ainda correu o boato de que o marido estava vivo. Na tentativa de amenizar o escândalo, Fernando II pediu ao então soberano de Saxe-Coburgo, seu primo direito, que desse a Elise um título aristocrata daquele ducado. Passou a ser condessa de Edla, mas a hostilidade geral permaneceu.
Uma nova bomba rebentou quando Fernando II morreu, em 1885, aos 69 anos: em testamento, deixou o Palácio da Pena à mulher. “Foi outra vez muito escandaloso, porque o palácio já era um ícone nacional”, diz Maria Antónia Lopes. “Embora fosse propriedade privada dele, as pessoas consideravam que era do País”, nota.
O choque familiar atingiu sobretudo o então príncipe (e futuro rei) D. Carlos, neto e afilhado de Fernando II. “Era já adulto, precisava de se casar e não tinha nada”, conta a historiadora. “E o pai, o rei D. Luís I, tinha problemas financeiros gravíssimos”, acrescenta.
D. Carlos contava, pois, que o avô lhe deixasse o Palácio da Pena. E não demorou a aparecer, na família real e no povo, a tese de que Elise tinha manipulado Fernando II, que estaria já mentalmente diminuído. O que a biógrafa desmente: “Conheço cartas da altura do testamento que demonstram que ele estava bem. Quis mesmo fazer aquilo.”
Mas, quatro anos após a morte do marido, Elise cedeu à pressão. Aceitou uma proposta de compra do Palácio da Pena, feita pelo rei D. Luís I, em nome do Estado. Apenas reservou para si um espaço onde pudesse continuar a residir. Ainda hoje se chama “chalé da condessa”.