Para que serve a escola, afinal? Questionamo-nos sobre que alunos queremos formar? Prefiro, contudo, no estado a que chegámos na sociedade atual, perguntar que indivíduos queremos formar?
A escola, regra geral, é (ou deveria ser) uma instituição que prepara para a vida, garantindo a aptidão para um bom desempenho individual, relacional e profissional. Ao reler há dias o livro de Michel Lobrot – o psicossociólogo e educador francês, autor da designada pedagogia institucional – Para que serve a Escola?, onde o autor procura responder a esta questão, há muito repetida por nós, professores da escola pública, dei por mim a pensar onde entra a escola no ensino e na aprendizagem da gentileza, esse valor cada vez mais arredado da escola pública. Para Lobrot, e segundo a minha leitura, a autoridade do professor passa pela sua capacidade de mudar a vontade do aluno, impondo-lhe a sua própria vontade. E, se pensarmos bem, é exatamente isto que, atualmente, acontece cada vez menos. Ao aluno são apresentados regras e conteúdos sobre os quais ele não teve qualquer oportunidade de se pronunciar, é certo. Porém, se abordarmos esta pedagogia, baseada, segundo Lobrot, essencialmente na coação, para transmitir conhecimentos e experiências de empatia, gentileza e práticas de respeito pelo outro, apercebemo-nos de que também aí, na maioria das vezes, ela falha. Por outras palavras, esta pedagogia não tem em conta os interesses dos alunos mas pretende realizar um plano logicamente ordenado e, a priori, um programa, uma progressão… Deste modo, só muito raramente este plano ou programa vai de encontro aos seus interesses. Em consequência, a sua desmotivação para determinados conteúdos é do nosso conhecimento geral. Por tudo isto, só acidentalmente é eficaz. Se adicionarmos a tudo isto, a linguagem fria dos computadores, o léxico elementar e o cada vez mais hipnotizante peso da imagem e das redes sociais, o que resta a muitos dos indivíduos que frequentam a escola pública e para os quais esta é apenas mais um fado que têm de carregar?
No passado dia 13 de novembro celebrou-se o Dia Mundial da Gentileza. As escolas que o quiseram assinalar encheram-se de mensagens e de atividades especiais, a relembrar a importância destas atitudes no nosso dia a dia, salientando para práticas como o reconhecimento, a empatia, a ajuda, o cumprimento, entre outras. Este movimento, criado oficialmente em 2020, tinha como intenção inspirar um mundo mais gentil, vem do ano de 1996, quando o tema da Gentileza surgiu numa conferência que reuniu grupos que propagavam este conceito pelo mundo, realizada em Tóquio.
Nada mais apropriado numa altura em que somos confrontados diariamente com um crescendo de comportamentos imbecis por parte dos nossos alunos. Depois de dois anos de pandemia, durante os quais a escola viu afetada a sua habitual forma defuncionamento, é do discurso corrente ouvirmos falar da desmotivação crescente dos alunos para a escola, das aprendizagens que não se realizaram e, sobretudo, dessa caixa de Pandora que são as aprendizagens essenciais. Ao abrirmos esta caixa, atirámo-nos de vez do precipício, correndo sérios riscos de consequências imprevisíveis: o facilitismo crescente na maioria dos casos, a nivelamento rasteiro dos conhecimentos, a aceitação do desinteresse e da desmotivação dos intervenientes (consequências da crise pandémica?), a desculpabilização dos comportamentos disruptivos, a impunidade dos alunos perante atitudes de total e inaceitável desrespeito pela figura do professor e do auxiliar de ação educativa. Afinal, para que serve a escola?
Se a escola conseguir, neste ano letivo em curso, definir e concretizar – como aprendizagens essenciais – uma melhoria da boa educação e da gentileza dos alunos, terá alcançado a sua primeira missão no contexto da sociedade atual. Quando o professor se sente minúsculo perante o chorrilho de palavrões que ouve diariamente, isto é bullying. Quando o professor se sente humilhado, ofendido, vilipendiado no desempenho da sua profissão e nada se faz para o apoiar, isto é bullying. Quando os alunos se descalçam na aula, se sentam com as estendidas e pousadas nas cadeiras da frente, isto é bullying. Quando entram e se mantém propositadamente de capuz, isto é bullying. Quando os alunos emitem sons impróprios e recusam obedecer às ordens do professor para sair da sala, isto é bullying. Quando ofendem os funcionários, boicotam as aulas, humilham os professores de todas as formas possíveis, isto é bulllying. Quando o professor tem de dar a aula num clima de guerrilha quase permanente, obrigando-se a uma gestão minuciosa de todas as palavras ditas – por perigo de deturpação imediata das mesmas – isto é bullying. Quando o professor adoece por exaustão emocional, isto é bullying, Quando a sensação de impotência do professor aumenta na exata proporção da sensação de impunidade dos alunos, isto é bullying. Eis o estado a que chegámos em muitas das nossas escolas e contra o qual é urgente lutar.
Importa repensar quais são as verdadeiras aprendizagens essenciais numa sociedade cada vez mais empobrecida de valores. Quando a má educação e os comportamentos insolentes servem, na maioria dos casos, de veículo de aceitação, integração e afirmação social dentro do grupo-turma, tocámos no fundo. Quando a escola permite que indivíduos cheguem ao 12º ano sem a mínima interiorização das regras básicas de educação e de socialização, sem respeito por si próprios e pelos outros, sem vontade de cumprir os seus deveres, sem consciência do triste estado em que se encontram, quem falhou?
Falhámos todos.
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