Muitos especialistas do desporto – treinadores, PTs, entre outros – dizem-nos frequentemente para nos concentrarmos no nosso corpo quando estamos a fazer exercício. Focar no movimento dos músculos, na técnica do exercício, na respiração, contar os passos – os conselhos são inúmeros.
No entanto, um novo estudo vem sugerir que o oposto, no caso da corrida, pode não só melhorar o desempenho como para tornar os treinos físicos mais toleráveis – pensar em qualquer outra coisa que não o nosso corpo e o movimento físico que estamos a executar, e transferir o foco para distrações externas, está ligado a uma melhor performance e ajuda-nos a suportar melhor o desgaste físico.
As descobertas são de um estudo realizado no Irão, que contou com uma dúzia de participantes femininas, entre os 18 e os 30 anos de idade. Os resultados sugerem que quanto mais as corredoras monitorizavam os seus corpos – focando-se nos movimentos dos seus pés ou no número de passos, por exemplo – mais desgastante e cansativa se tornava a corrida. Pelo contrário, ao focarem-se em distrações externas, a sua performance melhorou e o exercício tornou-se mais suportável.
Enquanto a corrida é uma das formas de exercício mais populares, por ser fácil de executar e não necessitar de qualquer tipo de equipamento – além de ter inúmeros benefícios para a saúde – pode ser aborrecido e mesmo difícil para quem não está familiarizado com a modalidade.
Por isso, estes novos dados podem ser animadores para muitos corredores, ou para quem quer iniciar um regime de corrida mas está reticente em relação ao esforço que requer. A pesquisa vem, aliás, confirmar outros estudos, feitos com atletas de modalidades mais focadas na performance, que atingiram conclusões semelhantes.
Um estudo de 2003 confirmou, por exemplo, que golfistas experientes davam tacadas melhores quando não se estavam a concentrar na forma como o faziam. Da mesma forma, futebolistas experientes conseguem conduzir melhor a bola por entre cones quando não estão a prestar atenção ao movimento dos seus pés.
Agora, este estudo foi o primeiro a aplicar esta teoria – conhecida como a Hipótese de Acção Restrita – a modalidades mais focadas na resistência, como é o caso da corrida (embora este estudo não se tenha focado em praticantes experientes na modalidade, como foi o caso dos anteriormente referidos). A teoria propõe que os nossos corpos sabem como se moverem – inconscientemente – melhor do que os nossos cérebros. Desta forma, quanto mais nos concentrarmos na forma com estamos a executar os exercícios, menos fluídos e eficientes serão os nossos movimentos.
A solução está na distração
O estudo, publicado este mês no Journal of Motor Learning and Development, pretendeu testar esta hipótese e contou com doze participantes, mulheres saudáveis e ativas, com idades entre os 18 e os 30 anos. Nenhuma corria regularmente. As mulheres correram em passadeiras, em contexto laboratorial, durante seis minutos, a 70% da sua velocidade máxima. Os cientistas monitorizaram a frequência cardíaca, os níveis de consumo de oxigénio, de produção de ácido lático (um composto orgânico produzido quando os músculos estão sob stress) e também as sensações que as mulheres reportaram depois sobre a dificuldade da corrida.
Na primeira destas sessões, foi pedido às mulheres que se focassem no movimento dos músculos dos seus pés. Na segunda, as mulheres contaram os passos – continuando a manter o foco no seu corpo, mas de uma maneira mais externa. Numa outra sessão, contaram em ordem decrescente, transferindo o foco para fora do seu corpo. Finalmente, numa última sessão as mulheres assistiram a um jogo de basquetebol enquanto corriam – uma distração que retirava completamente a sua atenção do ato da corrida.
Esta última sessão foi aquela em que as mulheres reportaram terem sentido menos dificuldade durante a corrida. Além disso, quando foi oferecida a distração do jogo de basquetebol, as participantes consumiram menos oxigénio e produziram menos ácido láctico – o que indica que a corrida foi, fisicamente, menos extenuante.
“As nossas conclusões revelaram que quando as participantes adotaram um foco de atenção dissociativo-externo, consumiram menos oxigénio, tinham menos ácido láctico no sangue, e afirmavam terem feito menos esforço em comparação com os ensaios em que utilizavam uma estratégia de atenção associativa”, pode ler-se no estudo. “Os resultados deste estudo demonstram que a economia da corrida é melhorada, e que a sensação de fadiga é mais baixa quando se utiliza um foco de atenção dissociativo-externo”.
Pelo contrário, a corrida foi fisicamente mais cansativa quando as participantes se focaram nos seus músculos. As outras duas estratégias ficaram no meio.
“Ficámos surpreendidos com o quão significativos os efeitos são” quando as pessoas desviam a atenção dos seus corpos e movimentos, afirma Jared Porter, professor de movimento humano na Universidade do Tennessee, que supervisionou o estudo.
O estudo, no entanto, contou com uma amostra relativamente reduzida (apenas uma dúzia de participantes), composta por mulheres pouco experientes em corrida. Mas, de acordo com Porter, “não há razões para pensarmos que os resultados não se aplicariam a outros grupos” (homens, pessoas mais velhas ou corredores mais experientes). Do mesmo modo, é possível que os resultados se apliquem também a outros desportos de resistência, como ciclismo ou natação.