Foram encontrados os restos mortais de 751 pessoas, a maioria crianças indígenas, numa antiga escola residencial em Saskatchewan, no Canadá. A notícia foi avançada na semana passada pelos líderes de grupos indígenas do país, que davam a conhecer na altura a existência de mais de 600 sepulturas não identificadas. O anúncio vem depois de, no mês passado, terem sido descobertos 215 corpos numa vala comum na Escola Residencial Indígena Kamloops, na Colúmbia Britânica.
A mais recente descoberta foi realizada pelo grupo indígena Primeira Nação de Cowessess, que analisou, com um radar, o solo da Escola Residencial Indígena Marieval. Os números foram avançados com cautela pelo líder do grupo, Cadmus Delorme, apontando para mais de 600, uma vez que os operadores do radar admitem a existência de uma margem de 10% de erro no resultado. “Queremos ter a certeza que quando contarmos a nossa história não estamos a tentar fazer com que os números pareçam maiores do que são”, referiu aos meios de comunicação. Delorme acrescentou que os números exatos seriam verificados nas semanas que se seguem.
O líder do grupo indígena referiu que os corpos foram encontrados em sepulturas às quais foram removidas a identificação, e não numa vala comum, e que ainda não se sabe se todos os restos mortais são de crianças, ou se também haverá adultos entre os mortos.
A Escola Residencial Indígena Marieval foi um internato para crianças indígenas que operou aos cuidados da Igreja Católica entre 1899 e 1997. Esta, tal como a de Kamloops, são dois dos entre 130 e 150 internados que se estimam ter existido durante os séculos XIX e XX. Estes eram obrigatório para as crianças indígenas, que eram impedidas de falar a sua língua e praticar a sua cultura. Foram fundados pelo governo do Canadá, e geridos por instituições religiosas,com o objetivo da assimilação das crianças na sociedade canadiense.
Pensa-se que ao todo tenham passado mais de 150 mil crianças indígenas por estas escolas. É estimado que, destas, tenham morrido cerca de 6 mil enquanto as frequentavam. Os motivos apontados vão desde as pobres condições de saúde e higiene, doenças como a tuberculose, gripe e pneumonia, mas também relatos de abusos, físicos e sexuais, das autoridades dos estabelecimentos. Foi o desaparecimento das crianças sem qualquer tipo de explicação às famílias que levou a que em 2008 fosse formada a Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação, com o objetivo de realizar uma investigação. Um relatório publicado pela comissão em 2015 classificou estes acontecimentos como um “genocídio cultural”.
“O Papa precisa de pedir desculpa pelo que aconteceu. Um pedido de desculpa é uma etapa no caminho de uma jornada de cura”, disse Cadmus Delorme aos órgãos de comunicação.
“Parte de uma tragédia maior”
O líder da Federação das Primeiras Nações Indígenas Soberanas, Bobby Cameron, já classificou o caso como “um crime contra a humanidade”, acrescentando que as sepulturas sem identificação tinham só agora começado a aparecer. “Haverá centenas de outras sepulturas não identificadas e valas comuns, nas nossas terras das Primeiras Nações, nos locais das antigas escolas residenciais indianas”.
Também o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeeau, respondeu via comunicado de imprensa, onde se pode ler: “Nenhuma criança devia alguma vez ter sido tirada da sua família e comunidade e privada da sua língua, cultura e identidade.” Trudeeau reconheceu, ainda, a responsabilidade do governo no sucedido e garantiu continuar a fornecer o financiamento e os recursos necessários à investigação para “trazer à tona estes erros terríveis”. “As descobertas em Marieval e Kamloops fazem parte de uma tragédia maior. São um lembrete vergonhoso do racismo sistémico, da discriminação e da injustiça que os povos indígenas enfrentaram- e continuam a enfrentar- neste país”, acrescentou.
Já nas redes sociais o primeiro-ministro escreveu: “O meu coração parte-se pelo Primeira Nação de Cowessess no seguimento das descobertas de crianças indígenas enterradas na antiga Escola Residencial Indígena Marieval. Não as podemos trazer de volta, mas iremos honrar a sua memória e iremos contar a verdade sobre estas injustiças. Noutra publicação acrescentou: “Vamos continuar a estar ao lado das pessoas do Primeira Nação de Cowessess e das pessoas indígenas de todo o país- e estamos empenhamos em trabalhar numa verdadeira parceria para corrigir estes erros históricos e avançar numa reconciliação de uma forma concreta, significativa e duradoura”.
Quanto ao Papa, apesar de não se ter pronunciado quanto a esta descoberta, este expressou a sua “dor” quando foram encontrados os corpos em Kamloops, sem ter, no entanto, emitido um pedido de desculpas. “Acompanho com dor as notícias que chegam até nós do Canadá a respeito da chocante descoberta dos restos mortais de 215 crianças”, disse na altura, sublinhando a necessidade de “trazer à luz estes tristes acontecimentos, num caminho de reconciliação e cura”. O Papa Francisco condenou ainda o “modelo colonizador” e acrescentou: “Uno-me aos bispos canadianos e a toda a Igreja Católica, para manifestar a minha proximidade ao povo canadiano, traumatizado pela chocante notícia.”