
Luanda, madrugada de 18 de fevereiro de 1961. É mais um despertar muito quente. O ar está pesado e há uma sensação de cola na pele. Maria Clara de Sousa não sabe que horas são exatamente naquele sábado. Mas, quando o habitual sol das seis horas da manhã parece querer começar a despontar, sente o pai entrar em casa. “Esta noite foi mais um”, ouve-o a sussurrar para a sua mãe. Faz uma semana, não mais do que isso, que fizeram chegar às mãos do pai uma caçadeira. Acha – na altura, tinha 6 anos – que até “foi um polícia amigo da família que entregou a arma”, com a qual o pai já saíra, pelo menos, duas noites e na companhia de outros vizinhos, à caça de “terroristas” junto dos musseques (bairros pobres dos subúrbios). Passados 15 dias sobre os ataques de 4 de fevereiro, quando cerca de duas centenas de angolanos invadiram cadeias da cidade para soltar presos políticos, a sede da Emissora Nacional e a estação dos correios, matando sete agentes da autoridade, apenas a capital vive dias aparentemente calmos. Na verdade, vive-se numa espécie de purga. O camião do Exército que passa, ao início da manhã, a recolher corpos de negros, que jazem à beira da estrada, é um sinal de que o ponto de não retorno está prestes a ser atingido na então colónia portuguesa. Joaquim Coelho, jornalista e paraquedista, que aterrará ali dentro de um mês, ainda verá tais recolhas de cadáveres. “Só em dois dias, vi cinco camiões”, lembra.
À espera de uma resposta da metrópole, que só chegará com um tardio “andar rapidamente e em força” para Angola, proferido pelo presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, a 13 de abril de 1961, Luanda desespera: passa de um sentimento de serenidade e descontração para um ambiente de insegurança e desconfiança entre brancos e negros, com episódios violentos a sucederem-se aos incidentes da madrugada de 4 de fevereiro. Prova disso são as cerca de duas dezenas de negros assassinados nas horas em que decorreram os funerais dos polícias mortos. Porém, apesar da pouca informação e da garantia do então governador de Angola – de que haveria reforços militares –, desde janeiro que corriam rumores sobre os efeitos mortais da incursão da Força Aérea em algumas aldeias da Baixa do Cassange. A revolta dos trabalhadores explorados das plantações de algodão terá sido o rastilho para o que viria a acontecer.
Quando a Guerra Colonial eclodiu, a seguir aos massacres de 15 de março no Norte de Angola, a inexistência de estradas alcatroadas que permitissem retirar populações refugiadas no meio do mato, em plena época das chuvas, e o anedótico número de militares estacionados, para um território quase 14 vezes maior do que Portugal, eram o espelho de uma certa desorientação do regime. Mais: os 85 dias, entre os primeiros ataques e a chegada do primeiro contingente militar enviado pela metrópole, a bordo do navio Niassa, foram uma prova de que o ditador, que tinha então tomado para si a pasta da Defesa de um País que ia “do Minho a Timor”, enfrentava o momento talvez mais difícil da sua longa vida política.
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