Quando ouvimos dizer que, na quinta-feira passada, antes de começar a proibição de circulação entre concelhos durante o período da Páscoa, 10,7% da população portuguesa foi dormir a mais de 100 quilómetros da sua residência, imaginamo-nos imediatamente a viver a distopia pensada, em 1949, pelo escritor inglês George Orwell. O Grande Irmão estará mesmo a vigiar-nos, como no romance 1984, ou trata-se de pura estatística?
Felizmente, a resposta certa é a última e a empresa responsável pela recolha de dados nem sequer pertence ao Estado. Aliás, a consultora PSE começou o estudo de observação da mobilidade em 2019, ainda ninguém sonhava com pandemias e a palavra confinamento não tinha a carga emocional de hoje.
O painel em causa conta com 4992 indivíduos representativos do universo da população com mais de 15 anos, residente em Portugal continental, encontrados depois de 30 mil entrevistas presenciais. Trata-se de um estudo espacio-temporal, com recolha de dados contínua, monitorizando a localização e meios de deslocação através de uma aplicação móvel. “A amostra é estratificada por região, sexo, idade e atividade profissional, e controlada por classe social e perfil de mobilidade. Este estudo é realizado 24 horas por dia. Os dados são obtidos de forma rigorosa, via GPS, e com o consentimento da amostra monitorizada. Para um universo de 8.883.991 indivíduos residentes nas regiões estudadas, a margem de erro imputável ao estudo é de 1.4% para um intervalo de confiança de 95%”, lê-se na ficha técnica. Resta acrescentar que a amostra tem uma rotatividade anual de 25 por cento.
Na proximida semana já teremos mobilidade quase normal
Quando a empresa iniciou este método inovador, por um prazo de cinco anos, e por oposição às anteriores investigações de mobilidade que assentavam em falíveis dados declarativos, a ideia era, sobretudo, auxiliar as câmaras municipais no ordenamento do território e na gestão de mobilidade e dos transportes, e servir de base de dados para a saúde, turismo ou habitação, por exemplo. E também contribuir para estudos comportamentais de mobilidade para outras empresas.
Logo no fatídico dia 13 de março de 2020, os números recolhidos mostraram níveis de imobilidade nunca antes atingidos. “Antevendo-se um confinamento demorado, decidimos passar a informar as autoridades, em primeiro lugar, e a sociedade em seguida, da movimentação dos portugueses”, conta Nuno Santos, um dos sócios da consultora. Mais de um ano depois, continuam a fazê-lo regularmente, “com espírito de missão e responsabilidade social” – e pro-bono.
Estas contas são muito importantes e podem ajudar a decidir se é preciso apertar medidas ou manter o nível de desconfinamento, prometido, como se sabe, a conta-gotas. Os especialistas sugerem que, em situações-limite como as que vivemos em janeiro, o índice de mobilidade deve cair 40 por cento. “Só atingimos esse valor quando as escolas fecharam, a 22 de janeiro”, nota Nuno Santos.
A intensidade de circulação acha-se medindo diferentes variáveis, desde a quantidade de pessoas que circulam, às distâncias percorridas e ao tempo que perdem nesses movimentos. Atualmente, esse valor situa-se nos 13%, nos dias úteis, o que quer dizer que a mobilidade está a 87% quando comparada com o que seria um dia pré-pandemia (100%).
“De cada vez que há um salto no desconfinamento, notamos que se sobe um degrau no nosso índice. Calculamos que na próxima segunda-feira, dia 5 de abril, nos aproximemos muito da mobilidade normal. Este índice tem impacto, por exemplo, no RT, o índice de transmissão da doença”, realça o Chief Analytics & Strategy Officer da PSE. E sabemos hoje que esse deve manter-se abaixo de 1 para que não voltemos a dar passos atrás.
Os mais velhos confinam com mais facilidade
- Todos os segmentos etários reduziram muito a sua mobilidade
- As mulheres ficam mais em casa do que os homens
- Os jovens portaram-se de uma forma relativamente exemplar
- Na globalidade, os portugueses têm cumprido as restrições que lhes são impostas
- As classes mais baixas são as que mais rapidamente promovem comportamentos de erosão e fadiga
- A população mais idosa é a que reage mais rapidamente ao confinamento