Chama-se Hayley Arceneaux e contava, no final deste ano, cumprir o seu sonho de visitar todos os continentes ao completar três décadas de vida. No entanto, não vai ter tempo livre para isso. É que, ainda antes do fim de 2021, vai para o espaço.
Como conta o The New York Times, Hayley, uma jovem médica assistente no hospital infantil St. Jude, em Memphis, no estado do Tennessee, será uma das quatro pessoas a entrar no Falcon 9, o foguetão da Space X cujo lançamento está previsto para a Florida no final do ano. Uma missão aguardada com muita expectativa: trata-se da primeira vez em que a bordo não segue nenhum astronauta profissional.
A aventura é liderada por Jared Isaacman, um bilionário de 38 anos que, em janeiro, anunciou que tinha comprado o lançamento do foguetão à empresa espacial fundada por Elon Musk com um argumento para lá de nobre: queria que a missão fosse mais do que um passeio para os super-ricos, daí ter entregue dois dos quatro lugares disponíveis a bordo àquele hospital infantil.
Um deles será entregue ao vencedor de um concurso que visa angariar dinheiro para a instituição de saúde infantil. O outro teria como destinatário um trabalhador da linha da frente dos cuidados de saúde e seria escolhido pelos seus funcionários. E a escolha recaiu, de forma unânime, em Hayley – que está agora a um passo de se tornar a mais jovem de sempre a viajar para órbita. Mas não só: é também primeira pessoa com uma prótese ir para o espaço. Há quase 20 anos, quando foi tratada a um cancro ósseo, ali mesmo, em St. Jude, passou a ter diversas varas de metal a substituir partes dos ossos da sua perna esquerda.
No passado, a essa sua condição tê-la-ia mantido com os pés na terra, já que a tornava incapaz de cumprir as rigorosas normas médicas da NASA. Mas o advento das viagens espaciais com financiameto privado abriu essa possibilidade a algumas pessoas que anteriormente seriam excluídas. É o caso de Hayley. Segundo Michael D. Neel, o circurgião ortopédico que a operou, embora ter ossos artificiais signifique que não pode praticar desportos de contacto na Terra, isso não a deve limitar nesta caminhada espacial. “Isto mostra bem que o céu não é o limite. É o infinito e mais além”, brinca o especialista. Já para Richard C. Shadyac Jr., o presidente da organização que angaria fundos para St. Jude, não havia alternativa: “se há alguém emblemático da noção de esperança, é seguramente Hayley”.
“Uma inspiração para os outros doentes”
Foi em 2002 que Hayley Arceneaux entrou pela primeira vez em St. Jude. Tinha dez anos. Era já cinturão negro em taekwondo, quando se queixou de uma dor na perna. A mãe notou um alto sobre o joelho esquerdo e pediu opinião ao pediatra da pequena cidade de St. Francisville, La., onde viviam, que lhes deu uma notícia dramática: era um tumor maligno.
“Foi dramático”, recorda agora Hayley, “todas as pessoas que conhecera até então com cancro tinham morrido”. Seguiu-se a quimioterapia, uma operação para instalar uma prótese na perna e longas sessões de fisioterapia. Pelo meio, a menina empenhou-se a angariar fundos para o hospital que a tratava. E no ano seguinte, a Emissora Pública do Louisiana homenageou-a com um dos seus prémios Young Heroes.
“Quando crescer, quero trabalhar em St. Jude”, disse, num vídeo exibido durante a cerimónia, em 2003. “Quero ser uma inspiração para os doentes, dizer-lhes: também estive doente em pequena e agora estou aqui.” O sonho cumpriu-se no ano passado, quando foi contratada para dar apoio a crianças com leucemia e outras formas de cancro.
“És tu que vais para o espaço?”
Há poucas semanas, quando ainda não sabia da aventura extraordinária que a esperava, entrou um menino que lhe fez uma série de perguntas desconcertantes. “Acabei a confessar-lhe que também estive doente e sem cabelo e que me podia perguntar o que quisesse”, conta ainda Hayley. “Dizes-me mesmo a verdade?”, perguntou o garoto, para logo depois disparar: “És tu que vais para o espaço?”.
Hayleu ainda não sabia de nada, mas desde então já visitou três vezes a sede da Space X, na Califórnia, ao lado de Jared Isaacman, para se encontrar com os especialistas que estão a planear a viagem. Ao contrário de outras missões que a Space X tem feito para a NASA, a agência espacial americana, esta não irá até à Estação Espacial Internacional, mas orbitará a Terra durante três ou quatro dias. “O seu espírito aventureiro vai levá-la até às estrelas”, brincou já Isaacman, sobre o primeiro membro da sua tripulação.
Hayley aguarda agora mais informações sobre os seus colegas de viagem, já que o sorteios dinamizado pelo St. Jude, divulgados num anúncio transmitido durante o Super Bowl, há cerca de três semanas, decorrerá oficialmente até ao final do mês – ao mesmo tempo que assume que ainda nem acredita bem em tudo o que lhe está a acontecer. Afinal, no início de janeiro, quando lhe disseram que queriam falar com ela sobre uma oportunidade que surgira, lembra-se que pensou que fosse uma campanha publicitária ou que tivesse de fazer um discurso algures”. Quando lhe revelaram a oferta, Hayley começou por se rir da possibilidade. “Bom, deixem-me falar com a minha mãe”, respondeu. A mãe não se opôs.