O caso suscitou a atenção da comunidade científica na última década, depois de se ter verificado uma explosão de raios-gama na sequência de uma poderosa trovoada de inverno. Os registos foram feitos pelos detetores instalados na central Kashiwazaki-Kariwa, situada ao nível do mar, na costa oposta à de Fukushima, no Japão. Mas logo se afastou o cenário de uma descarga nuclear indesejada: aquela era uma explosão extrema que viera do céu.
É isso que agora os astrofísicos Teruaki Enoto e Yuuki Wada, das universidades de Quioto e Tóquio, respetivamente, querem compreender melhor – daí terem sido vistos literalmente empoleirados no telhado de uma escola secundária a tentar prender um instrumento muito peculiar, debaixo de fortes rajadas de vento e nuvens bem negras no horizonte, sinais claros de uma tempestade a formar-se no Mar do Japão à sua frente. Exatamente o que Enoto e Wada procuram, conta a Nature, adiantando que o dispositivo que estão a instalar irá verificar se os esperados relâmpagos vão voltar a descarregar aquele forte tipo de radiação. Um processo misterioso que estão ansiosos por compreender.
Um mistério por iluminar
Falamos de um tipo de radiação eletromagnética de alta frequência produzida geralmente por elementos radioativos, mas que também se sabe ser igualmente produzida por fenómenos astrofísicos de grande violência. Considerada capaz da maior energia no universo, a radiação em causa vem de longe, muito longe – geralmente de buracos negros, supernovas e outros ambientes cósmicos extremos. E é frequentemente criada por surtos de eletrões, que viajam com uma rapidez próxima da velocidade da luz.
Mas, nos anos 1980 e 1990, os físicos descobriram que as nuvens em volta da Terra também emitem raios-gama invisíveis, através de relâmpagos curtos e intensos – como se acelerassem milhares de milhões de eletrões à sua volta para produzir aquele género de radiação. Só que, como sublinha Wada, a forma como isto acontece na atmosfera terrestre é ainda um verdadeiro mistério.
O seu objetivo é, agora, compreender melhor este processo de alta energia, e também aproveitar o momento para estudar algumas questões fundamentais sobre tempestades ainda por deslindar. Há mesmo a esperança, avançam aqueles dois estudiosos do tema, que esta investigação possa lançar luz sobre o que verdadeiramente desencadeia os relâmpagos.
De olhos no céu
A grande dificuldade, assumem os responsáveis do projeto conhecido como Thundercloud Project, é exatamente captar aqueles raios intensos. Embora os satélites consigam detetar os milhares de flashes dos raios lançados, o tipo de captação não permite fornecer uma visão suficientemente aproximada do fenómeno para revelar o mecanismo que os produz.
Empoleirados naquele telhado em Kanazawa, Yuuki Wada e Teruaki Enoto sabem que estão num dos melhores locais para captar os brilhos e os flashes daquele tipo de tempestade. Localizada no noroeste da ilha de Honshu, aproximam-se dali regularmente poderosas nuvens típicas de trovoada, que se acumulam na zona da Sibéria durante o Inverno e pairam por ali, a menos de um quilómetro do solo. Como são nuvens baixas, os cientistas sabem que a radiação emitida pode atingir o solo, em vez de ser absorvida pela atmosfera.
Daí que, um pouco por todo o mundo, vários grupos de investigação estejam de olhos no céu a tentar observar a formação daquelas partículas de alta energia a partir do espaço exterior. Mas aquela equipa japonesa tem sido das mais bem-sucedidas do mundo na deteção deste tipo de fenómeno. E tem grandes planos para a sua iniciativa.
Com a ajuda da ciência-cidadã
Nos seus planos, está a expansão do seu trabalho com a ajuda de voluntários japoneses. Ao longo deste ano, a equipa do Thundercloud Project tenciona mesmo criar uma rede de cerca de 50 detetores, instalados em escolas, templos e lares, que lhes permitirá captar mais raios-gama, mapear cada um dos eventos e ainda segui-los ao longo do seu ciclo de vida, algo que nunca tinha sido experimentado antes.
“É uma das primeiras tentativas de captar contribuições da chamada ciência-cidadã para a investigação científica”, salienta ainda à Nature Yuko Ikkatai, investigador no Instituto Kavli de Física e Matemática do Universo em Kashiwa, que também integra a iniciativa. “É uma aposta que já está a dar frutos”, acrescenta Enoto, confessando-se muito contente com o desenrolar do projeto até agora, desde o seu lançamento oficial, em 2015, o momento em que Enoto resolveu dedicar-se a compreender melhor a radiação sentida mais próximo de casa.
Agora, com vista a esse empreendimento de recrutar voluntários da comunidade para o projeto, a equipa associou-se também à empresa de previsões Weathernews, que já utiliza uma “frota” de voluntários para receber fotografias que melhoram os boletins meteorológicos da empresa. Quem aderir agora ao projeto de Enoto e Wada poderá também utilizar o sistema da Weathernews para carregar fotografias durante as tempestades e receberá avisos automáticos para o fazer. “Tais dados serão inestimáveis”, considera Enoto, muito esperançoso que os dados do seu projeto muito em breve possam ajudar a melhorar a compreensão do que já apelidou de “aceleradores de partículas naturais” – já que a verdadeira força da matriz japonesa estará na exploração dos brilhos que surgem antes da tempestade, uma espécie de primos bebés dos flashes, e em Kanazawa é possível ver até 20 brilhos daqueles por ano. Sabendo-se que os brilhos terminam frequentemente em relâmpagos, o que a equipa espera é identificar as condições que os provocam – e um dia, quem sabe, prever essa descarga minutos antes de poderem atingir o solo, e assim não só salvar vidas como proteger bens.