Assim que Elon Musk se juntou ao Clubhouse na noite de 31 de janeiro – participando no programa Good Time, do casal Aarthi Ramamurthy e Sriram Krishnan, ambos notáveis de Silicon Valley –, o interesse pela nova rede social disparou. O homem mais rico do mundo, fundador da SpaceX e CEO da Tesla Motors, respondeu a algumas perguntas e também questionou Vladimir Tenev, bilionário búlgaro-americano, cofundador da Robinhood, empresa de serviços financeiros. Em simultâneo, no Twitter comentavam-se os principais assuntos ali falados, enquanto uma conta do YouTube transmitia a conversa que, na sala de conversação virtual do Clubhouse, teve lotação máxima, com cinco mil pessoas. Dias mais tarde, foi a vez de Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, fazer-se ouvir no mesmo programa, quando apareceu de surpresa a falar sobre o futuro da realidade aumentada e virtual.
Afinal, o que é o Clubhouse, que no início de fevereiro contava com mais de seis milhões de utilizadores, sendo que ainda em janeiro eram dois milhões e em maio do ano passado apenas 1 500? É uma espécie de podcast ao vivo e interativo, uma rede social em que só entra quem tiver convite e um iPhone (ainda não está disponível para Android).
Ao contrário do longo texto usado no Facebook, da frase curta no Twitter, da fotografia no Instagram e dos vídeos no TikTok, o Clubhouse dá primazia apenas e só à voz. Os chats têm vários membros (anfitrião e moderadores) a falar sobre assuntos tão diversos como desporto, atualidade, jornalismo, tecnologia, livros, música, saúde, política, negócios ou jogos. Os utilizadores podem entrar numa dessas salas integrando a audiência (em silêncio, tal como num programa de rádio), mas também têm permissão para “levantar a mão” e pedir ao moderador para se tornarem um orador. Se daqui derivar outra conversa, uma nova sala pode ser aberta e o tema debatido por outro grupo de pessoas. Quem for seguido pelo moderador ou anfitrião verá o seu perfil “sentado” num lugar especial, diferente do do público em geral. É o elitismo da vida real transposto agora para uma plateia virtual. Uma exclusividade que torna a aplicação alvo de grande curiosidade mas, no futuro, o plano é democratizar o seu acesso.
Mais um unicórnio
Fundado em março de 2020 por Rohan Seth, antigo engenheiro da Google, e Paul Davison, ex-funcionário do Pinterest, o Clubhouse ganhou força entre a elite de Silicon Valley quando os grandes do universo da tecnologia se viram confinados em casa e com muito tempo para preencher. Ambos os empreendedores já tinham estado envolvidos noutras aplicações de redes sociais, como a Highlight (2012-2016), que permitia que as pessoas partilhassem a sua localização com outras para criar ligações presenciais; ou o Talkshow, para conversas de texto públicas acessíveis a todos. O Clubhouse é a “última tentativa” de construírem uma aplicação com um perfil “mais humano” e orientado por diálogo, em vez dos posts individualistas e tantas vezes com discurso de ódio.
“Resta saber se, por voz, as pessoas têm a mesma lata de ser tão agressivas, ou se o Clubhouse abre uma nova esperança na comunicação gentil e adulta”, desabafou o radialista Nuno Markl no Instagram, no dia em que se registou na nova rede social. Para Carlos Moedas, ex-comissário europeu e atual administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, o uso da aplicação “é estar em Davos todos os dias”, com “acesso direto e informal àqueles que estão a mudar o mundo”, segundo disse ao Expresso. Também o chat Três Jornalistas à Conversa, criado por Flávio Nunes, Diogo Queiroz de Andrade e Catarina Marques Rodrigues, já teve serões falados em português sobre jornalismo.
O Clubhouse vale agora mais de mil milhões de dólares. Mas em maio do ano passado estava avaliado em apenas 100 milhões de dólares (82 milhões de euros), depois de receber 12 milhões de dólares (€9,8 milhões) em financiamento da Andreessen Horowitz, empresa americana de capital de risco, fundada por Marc Andreessen e Ben Horowitz. Assim nasce mais uma empresa unicórnio, sem ainda ter completado um ano de vida.
As cópias e a censura chinesa
Entretanto, no Facebook de Zuckerberg já está a ser engendrado algo concorrente, também centrado no áudio de voz. Emilie Haskell, responsável pela comunicação de novos produtos, confirma: “Há muitos anos que juntamos pessoas por meio de tecnologias de áudio e vídeo e estamos sempre a explorar novas maneiras de melhorar essa experiência.” Mas não são os únicos preocupados com a tração do Clubhouse. O Twitter também está a testar um produto chamado Spaces, que oferece uma função de conversação com áudio.
Durante alguns meses, o Clubhouse funcionou na China, dando um vislumbre de como poderia ser a utilização gratuita e livre de uma aplicação com total liberdade de expressão, em paralelo com a repressão e o controlo governamental. A nova rede social conseguiu mesmo não ser detetada pela Grande Firewall, sistema de vigilância do Estado, que bloqueia outras redes sociais na China. Milhares de utilizadores chineses, entre muitos investidores e profissionais de tecnologia, tiveram a oportunidade de se envolver em discussões sobre temas de forte carga política que, geralmente, não são falados publicamente, como a democracia em Hong Kong, a soberania de Taiwan e a repressão contra os uigures, minoria muçulmana da província de Xinjiang. Numa sala de conversação intitulada “Xinjiang tem um campo de concentração?”, ativistas uigures estrangeiros contaram histórias de familiares que desapareceram nos campos.
Outro chat do blogger Zola funcionou sem interrupções durante cerca de 120 horas (cinco dias), acompanhado por oradores chineses em diferentes fusos horários. Até ser bloqueado a 8 de fevereiro, já havia plataformas de compras online, como a Xianyu e a Taobao, a vender convites, entre €20 e €50, para entrar no Clubhouse. Mas os utilizadores receberam uma mensagem a dizer: “Não é possível estabelecer uma ligação segura com o servidor.” Era só uma questão de tempo.