Foi a 27 de dezembro último que Nathan Evans, um escocês de 26 anos residente (e em confinamento) em Glasgow, lançou na plataforma de vídeos Tik Tok a sua interpretação, à capela, de um tema folclórico tradicional que os tripulantes de baleeiros neozelandeses cantavam no século XIX – The Wellerman. Num ápice, o vídeo com o cantar intenso e ritmado de Evans (que alude ao homem da Weller Company que pagava aos marinheiros com chá, açúcar e rum o seu trabalho) atingiu a marca de um milhão de visualizações.
O êxito foi tal que o jovem escocês é já considerado o pioneiro da primeira grande moda viral de 2021: a das sea shanties, canções ancestrais de marinheiros que os fãs do fenómeno pesquisam a fundo. Como o Tik Tok oferece a possibilidade de se fazerem “duetos” com vídeos já existentes, o The Wellerman de Evans ganhou depois uma versão coral, com outros utilizadores confinados a juntarem-se-lhe em diversos tons, agudos e graves. Mais: a Polydor contactou o rapaz de Glasgow e avançou-lhe um contrato discográfico.
Mas a gigantesca dimensão que o fenómeno já alcançou mede-se pelos vídeos marcados com a hashtag #ShantyTok, que registam agora cerca de mil milhões de visualizações. Os fãs da nova moda viral alvitram, para a explicar, várias possibilidades, na certeza, porém, de que o cenário de fundo é a fuga momentânea a estes dias pandémicos, sombrios e de isolamento.
A Polydor ofereceu um contrato discográfico a Nathan Evans, o jovem escocês considerado o pioneiro das virais “sea shanties”
Há, sem dúvida, o fator de ver pessoas talentosas a encantarem quem as ouve. Os intérpretes, pelo seu lado, ganham o bem-estar proporcionado por algo de que gostam muito – cantar a solo ou em coro, e, de preferência, à capela. Nas duas trincheiras, dizem, “o espírito é revigorado”, e, por instantes, as dificuldades, a tristeza e o sofrimento trazidos pela pandemia ficam fora da equação.
As sea shanties são canções de trabalho que acompanhavam a execução de atividades repetitivas dos marinheiros em navios mercantes e veleiros, as quais exigiam esforços coordenados e sincronizados, como empurrar ou puxar, o levantamento de âncoras, a armação de velas ou o remar. Têm, por isso, uma cadência rítmica de batida simples. Já as letras, por norma, descrevem desgostos, tragédias e desejos inatingíveis. Mas, na anormalidade pandémica, cantá-las e partilhá-las parecem ser atos que produzem um efeito catártico sobre os sentimentos mais negativos.
Os fãs mais atentos notam que o gosto por canções ancestrais de marinheiros não é um fenómeno novo. As raízes, apontam, tanto apanham millennials como a geração Z (aqui, nas faixas etárias dos nascidos entre 1997 e 2005), e encontram-se na série de filmes Piratas das Caraíbas (que tem as suas próprias sea shanties, como Hoist the Colors e, mais famosa, Yo Ho – A Pirate’s Life for Me), na canção do genérico da muito bem-sucedida série de animação Bob Esponja e no videojogo de 2013 Assassin’s Creed IV – Black Flag, que decorre durante a chamada “era dourada da pirataria”, nos séculos XVII e XVIII, e cuja banda sonora está no domínio público.
O certo é que a nova moda viral desencadeia episódios admiráveis. Um bom exemplo vem dos The Longest Johns, grupo folclórico de Bristol (Inglaterra). No princípio, desenharam um projeto de interpretação por 100 vozes de Leave Her Johnny (o “her” mencionado na canção não é uma mulher, mas um navio), uma sea shanty com registos históricos anteriores a 1917. Solicitaram pela internet a centena de vozes que pretendiam e receberam 500 contributos de pessoas de várias nacionalidades… O resultado é um vídeo delicioso, que corresponde ao que os The Longest Johns queriam: transmite otimismo para o futuro e, momentaneamente, abafa os dias sombrios que vivemos.
Fãs portugueses das sea shanties já arriscaram uma tradução – chamam-lhes “celeumas”, com base na definição dicionarizada de “vozearia de pessoas que trabalham”. Até prova em contrário, aceitemo-la.