A pandemia já é algo brutalmente diferente e o confinamento um desafio extremo. Estas primeiras semanas de 2021 serão, sem dúvida alguma, um marco de mudança na vida das famílias portuguesas que terão de tomar a resolução de permitir que os filhos adolescentes fiquem, pela primeira vez, sozinhos em casa. Apesar de a Organização Mundial da Saúde definir o início da adolescência a partir dos dez anos, os especialistas contactados são unânimes em concordar que nesta idade são mais crianças do que adolescentes. “Há muitos jovens que não foram preparados anteriormente e ainda lhes falta maturidade. O desenvolvimento nesta faixa etária é muito heterogéneo”, explica Hugo Rodrigues. Para o pediatra, as diferenças acentuam-se ainda mais quando se fala do crescimento de meninos e meninas. “As meninas desenvolvem a maturidade mais cedo. As mudanças físicas são acompanhadas do desenvolvimento cerebral. Não estão todos em pé de igualdade em termos de desenvolvimento. E se num ambiente controlado nota-se menos, em auto-gestão vão criar mais dificuldades a umas famílias do que a outras.”
Falar em auto-gestão significa que os jovens depois de os pais saírem de casa para ir trabalhar terão de estar atentos ao relógio e cumprir com alguns horários. Mesmo sem aulas à distância seria bom que algum do tempo fosse reservado à realização de exercícios, fichas, leituras ou revisão da matéria dada. No princípio poderão estar focados, mas rapidamente vão dispersar. Distrações como uma televisão ligada, mesmo que sem som, vão existir a toda a hora.
Cada jovem merece uma avaliação consoante a sua maturidade, responsabilidade e autonomia. “Os pais têm de ter confiança na personalidade da criança. Se for completamente desorganizada podem desconfiar que vai falhar. Mas a partir dos 12 anos há uma maior capacidade de concentração e de responsabilização das consequências dos seus atos”, salienta Maria João Cosme, psicóloga clínica do SOS Criança do Instituto de Apoio à Criança.
Mesmo aos progenitores que até agora nunca tinham dado alguma autonomia aos seus filhos a entrar na adolescência, é-lhes pedido que em pouco tempo cedam na proteção e na supervisão. Como alerta o pediatra Hugo Rodrigues, é bom que tenham bem presente de que os filhos “vão falhar seguramente, e mais do que uma vez.”
É preciso que os adultos desta equação não esqueçam que devem também respeitar o espaço dos mais novos. Por exemplo, não devem abusar dos telefonemas ou das vídeochamadas. “Devem confiar que se eles precisarem de alguma coisa vão avisar. Quanto mais os adultos normalizarem o dia-a-dia dos seus filhos, mais eles cumprirão o desafio”, acrescenta Hugo Rodrigues. “É preciso estipular o horário e combinar quando ligam para não acontecer a banalização da rotina”, reforça Maria João Cosme.
Para muitos pais esta situação poderá ser equivalente a estar a transformar os seus filhos em adultos à força. Mas, é importante explicar que a situação “é peculiar e temporária” e que em situações normais não ficariam sozinhos. “Os pais devem dizer que está a acontecer por ser algo ‘in extremis’, em que todos temos individualmente de cumprir as nossas responsabilidades. Os pais têm mesmo de ir para a rua trabalhar e eles têm de ficar em casa por uma questão de saúde e de segurança, assumindo uma função mais adulta de forma precoce, mas que é temporária.”
Para a psicóloga do Instituto de Apoio à Criança, é certo que seria na gestão das aulas online que os jovens poderiam vacilar. “O tempo em casa, esse, eles até agradecem, assim como ter o espaço próprio e serem autónomos, relaxando quando não têm tarefas. O pior será perder a socialização com os colegas, é o que mais os perturba.” No entanto, ainda não vai ser neste confinamento que passarão pela experiência de tomarem conta de si e da responsabilidade escolar.
Ansiedade e medo à parte, uma grande preocupação nesta nova situação é garantir a segurança dentro de casa e Hugo Rodrigues não facilita. “Ainda faz todo o sentido conselhos como não abrir a porta a ninguém, não mexer no gás ou não abrir janelas ou varandas. É importante que saibam cortar a luz e o gás de casa, onde estão as torneiras de segurança e saberem utilizar esses mecanismos que podem fazer toda a diferença, por exemplo, em caso de inundação. Alertá-los de que a junção de água e eletricidade não dá bom resultado.”
Seguindo os avisos da Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI) é entre os 9 e os 12 anos que as crianças devem ser preparadas para as situações de perigo doméstico. Segundo Helena Sacadura Botte, secretária-geral da associação sem fins lucrativos e de utilidade pública, nessa faixa etária devem “conseguir identificar alguns riscos: acender fósforos pode causar queimaduras na pele ou pegar fogo à casa; ao aquecer o almoço pode haver uma fuga de gás se não apagar o bico do fogão ou se uma corrente de ar, por exemplo, apagar a chama.
“A criança tem de ser treinada para os riscos existentes em casa e para as ações a tomar, os comportamentos alternativos”, alerta Helena Sacadura Botte. Nestas idades, janelas e varandas podem representar menos risco. É importante saber que as varandas devem ter no mínimo 1,10 metro de altura, barras verticais e sem espaçamento superior a 9 centímetros.
Resumindo: Os fatores de maior preocupação entre os 9 e os 12 anos são o risco de queimadura, risco de queda em altura elevada de varandas ou janelas, risco de afogamento em piscinas ou tanques de rega e risco de eletrocussão. Nunca devem mexer com as mãos molhadas no secador de cabelo ou na varinha mágica (para fazer um sumo, por exemplo). As crianças devem secar o cabelo no quarto e nunca na casa-de-banho, pois ali há humidade e aumenta o risco de eletrocussão. Colocar um tapete antiderrapante na banheira, ter em atenção se a temperatura da água não está demasiado quente (para não provocar queimaduras) e verificar se as tomadas elétricas não têm fios descarnados são outras situações a ter em conta.
Desde o início da pandemia e do primeiro confinamento, em março do ano passado, que os mais novos têm passado por um “crescimento abrupto”, na opinião de Rita Chichorro, psicóloga clínica, especialista na área de neuro-desenvolvimento infanto-juvenil. “O que estão a pedir é que, no fundo, crianças que não ficavam sozinhas em casa, agora tenham de crescer. O papel dos pais deve ser muito ativo, eles são responsáveis por regular ao máximo o comportamento.”
Os pequenos adolescentes precisam que o comportamento seja regulado, orientado, de ter diretrizes. Para tal, Rita Chichorro sugere que em família se faça uma lista de tarefas, uma tabela que inclui o horário das tarefas e das refeições e os telefones em caso de emergência.
Os pais devem garantir a organização do espaço lúdico e do espaço de trabalho. E, uma vez que as tentações existem, podem criar uma rede de suporte à volta, contando com a ajuda de algum vizinho ou algum familiar mais próximo que consiga fazer uma curta visita presencial em casa.
“Temos de fazer com que a criança, mesmo num ambiente tão impreciso, se sinta segura. Se o adulto tiver um comportamento ansioso ela vai perceber. Ligar de hora a hora poderá deixá-la em pânico”, destaca Rita.
Não podendo ignorar a existência de tempos livres e de redes sociais, os pais devem monitorizar o seu acesso, recorrendo também à regulação parental que permite bloquear o acesso a páginas; e estipular os tempos de consumo. “Fazer só um pedido não chega. Têm de ter uma intervenção mais ativa, explicando os perigos da Internet.”
O regresso a casa dos adultos deverá ser um momento de atualizações e partilhas. Ouvir o que os mais novos viveram e sentiram quanto a dificuldades, medos, ansiedades, preocupações e também o que correu bem, seja sobre aquecer a comida, ter frio numa determinada divisão da casa, a Internet que não funcionou, as dificuldades numa ou outra matéria escolar ou mesmo não se sentiu confortável de estar sozinho em casa.
Poderá esta experiência ser um trauma para estes futuros adultos? O pediatra Hugo Rodrigues não acredita que “o facto de ser ‘à pressa’ tenha uma consequência drástica, nem super-determinante. “Nos mais novos não me parece que seja a forma ideal, mas é a altura de empossá-los de responsabilidade, não como um fardo mas como algo de positivo. Pode servir para favorecer a autonomia dos miúdos, mas os pais não os prepararam para a situação. Os adultos continuam a favorecer a imaturidade.”
“É um momento que os vai marcar. Impede a relação com os amigos, do contacto com a escola e com os outros, com a cultura, com os afetos”, explica Rita Chichorro. “O confinamento tem o lado prejudicial no desenvolvimento, mas não sei se constitui mais tarde um trauma.”
“Não é um bicho-papão e, ao fim de poucos dias, as famílias vão retirar conclusões positivas. Mas, o processo, sendo assim tão rápido, está sujeito a erros da parte dos pais, dos jovens e dos professores. É preciso gerir com bom senso e maleabilidade”, conclui Hugo Rodrigues.