Depois da implosão da Frente Unitária Antifascista na sua última Assembleia Geral, em dezembro de 2020, nasceu a Rede Unitária Antifascista (RUA). “Foi uma questão de restruturação, houve algumas divergências internas que levaram a esta mudança”, conta à VISÃO Danilo Moreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Call Center (STCC) e membro do RUA.
Ainda assim, os valores principais do movimento mantêm-se, garante. E é por eles mesmo que, este domingo, juntamente com outras organizações, vai sair à rua em protesto contra a participação de Marine Le Pen, líder da Frente Nacional francesa, numa ação de campanha de André Ventura, candidato à Presidência da República portuguesa. O protesto está a ser divulgado nas redes sociais do movimento, onde é pedido que “toda a gente” saia à rua este domingo, para que se dê a “melhor péssima receção aos fascistas Le Pen e Ventura”.
“É um alerta contra a normalização da extrema-direita em Portugal”, explica Danilo Moreira. “Aconteceu a questão dos Açores – quando o Chega anunciou um acordo com o PSD que viabilizou o governo de direita no arquipélago – que foi muito grave, e que mostrou que os partidos de direita estão dispostos a dar poder ao Chega para terem um governo. Por outro lado, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não se opõe a isto”, acusa.
De acordo com o sindicalista, existe em Portugal uma política de “fechar os olhos” à tendência de crescimento da extrema-direita, do autoritarismo, dos discursos racistas, machistas e homofóbicos. E, para o RUA, a associação de Le Pen a Ventura é mais uma prova disso. “Le Pen afirmou que a França não devia incluir o ensino da língua portuguesa no seu sistema de educação, além de terem sido apoiantes do seu partido a vandalizar um clube português em 2015, em Paris, e a escrever nas paredes “morte aos portugueses”. O que está a acontecer agora, com a visita dela cá, não deixa de ser uma incongruência”, afirma.
Não é possível saber-se o número exato de manifestantes que se vão juntar este domingo, pelas 11 horas, no Largo Camões, em Lisboa, mas Danilo Moreira acredita que “a receção antifascista a Marine Le Pen” terá a presença de algumas centenas de pessoas, de vários sítios do País, mesmo em ambiente de pandemia. No evento criado no Facebook, existem já mais de mil pessoas com interesse e quase 300 confirmações de participação.
“Queremos criar uma unificação mais organizada, consistente e consequente”
A Rede Unitária Antifascista assume-se como um movimento que pretende combater a “exploração, discriminação e opressão resultantes do sistema capitalista”, assim se lê no seu site oficial, e inclui várias organizações, algumas delas já pertencentes à anterior Frente Unitária Antifascista – como o Sindicato dos Trabalhadores de Call Center, os Núcleos Antifascistas dos Açores, Braga, Porto e Aveiro e o Grupo Antifascista Miguel Torga, por exemplo.
O objetivo, agora, é integrar no RUA outras organizações com os mesmos ideais ou, ainda que não integradas, consigam cooperar entre si de forma mais alinhada, explica Danilo Moreira. “Queremos unir todas as organizações que sejam ativistas e ligadas a movimentos feministas, pelo clima, antirrascistas, contra a xenofobia, o machismo e a homofobia, no sentido de criarmos lutas comuns, enfrentarmos e mobilizarmo-nos em unidades de ação”, esclarece.
Ou seja, organizações – partidárias ou não – que se revejam nas lutas que o RUA pretende travar podem e devem juntar-se ao movimento. “Estamos a lutar pelas mesmas causas, mas queremos criar uma unificação mais organizada, consistente e consequente. E esta cooperação será a nível nacional e internacional”, afirma. Algumas das organizações com as quais a Rede Unitária Antifascista já está em contacto são a SOS Racismo, a Consciência Negra e a Climáximo.
De acordo com Danilo Moreira, pessoas de várias organizações políticas e partidos de esquerda têm dado a cara consistentemente pelo movimento. Vasco Santos, dirigente do partido Movimento Alternativa Socialista, tendo sido cabeça de lista do MAS às eleições para o Parlamento Europeu de 2019, para o qual não foi eleito, é uma delas.
O ativista foi uma das pessoas que recebeu ameaças por email de dois grupos de extrema-direita, um que se identifica como a Nova Ordem de Avis e outro designado como Resistência Nacional, a 11 de agosto de 2020. O email dava um prazo de 48 horas para três deputadas (Beatriz Gomes Dias, Mariana Mortágua e Joacine Katar Moreira), assim como vários ativistas (incluindo Danilo Moreira) “rescindirem das suas funções políticas e deixarem o território português”, sob pena de serem tomadas “medidas (…) contra estes dirigentes e os seus familiares”.
Vasco Santos foi, na altura, um dos coordenadores dos protestos realizados após esses acontecimentos, em Lisboa e no Porto, garantindo que não sairia do País e que não cederia ao medo que os grupos de extrema-direita estavam a tentar provocar.
Petição que esperou sete meses para ser avaliada pelo Parlamento discutida esta sexta-feira
No fim de 2019, mais de 9600 pessoas assinaram uma petição contra conferências neonazis organizadas em Portugal e que pedia a ilegalização efetiva de grupos de cariz fascista, racista e neonazi no País. A petição entrou na Assembleia da República em dezembro de 2019, mas só em julho de 2020 começou a ser avaliada pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias e remetida para agendamento em plenário.
A 10 de agosto, uma manifestação organizada pela então Frente Unitária Antifascista, em conjunto com outras organizações, juntou cerca de 500 pessoas no Príncipe Real, em Lisboa, em protesto ainda contra as conferências nacionalistas de extrema-direita organizadas em 2019.
A petição, que tinha como assinantes Vasco Santos, Jonathan Costa (um dos fundadores do FUA), vai ser finalmente discutida na Assembleia da República, na reunião plenária desta sexta-feira.