A estupefação é cada vez maior nas redes sociais, onde as fotos da caçada estão a tornar-se virais: mais de 500 animais foram abatidos numa montaria na Herdade da Torre Bela, em Azambuja. Uma empresa espanhola organizou a montaria de caça grossa, para quase duas de dezenas de caçadores, já há alguns dias, que terá ido muito além dos números que são habituais nesta prática cinegética. Porém, só agora, quer as autoridades locais, quer o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) foram confrontados com o cenário.
“Conseguimos de novo! 540 animais com 16 caçadores em Portugal, um recorde numa super montaria“, lia-se, até ao final da tarde desta segunda-feira, numa publicação no Facebook, que entretanto foi apagada, perante a ira que provocou nos utilizadores daquela rede social.
“Estou tão surpreendido como toda a gente que desconhecia este caso. Já questionei várias entidades, porque a Câmara da Azambuja não tutela as atividades de caça, já confrontei o senhor ministro do Ambiente, que tutela o ICNF, porque queremos saber se aquilo que ali aconteceu teve alguma moldura legal e por quem foi autorizado”, confessou à VISÃO Luís de Sousa, presidente da Câmara da Azambuja, concelho onde se localiza aquela herdade, que é a maior área agrícola muralhada do País .
O autarca admitiu que, tal como explicou ao ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, a montaria terá acontecido na última quinta-feira, 17 de dezembro, perante os relatos da população local, que se terá apercebido dos disparos.
A VISÃO já questionou o ICNF, que tutela o setor cinegético, e a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), sobre a eventual presença no local de algum veterinário que tenha certificado tal dimensão de caça, mas ainda não houve respostas. Assim como a GNR, a quem a VISÃO perguntou se só soube de tal iniciativa agora e se o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) já esteve no local.
A iniciativa foi organizada pela “Huntings Spain and Portugal, Monteros de La Cabra”, a quem a VISÃO contactou. Do outro lado do telefone, uma porta-voz da empresa espanhola recusou prestar qualquer esclarecimento. O mesmo gesto por parte da Herdade da Torre Bela, cuja gestão é assegurada por uma empresa portuguesa, mas sobre a qual há muito se questiona a quem pertence. Em agosto, o hacker português Rui Pinto atribuiu à empresária angolana Isabel dos Santos a posse daquelas terras.
“Não é caça, é abate”
Para o presidente da Confederação Nacional dos Caçadores Portugueses (CNCP), José Luís Bernardino, “o que ali aconteceu é desprovido de ética e lamentável pela forma como ocorreu”. “Só gostava que aquilo não tivesse acontecido e muito menos que a divulgação fosse feita pela empresa espanhola em questão de tal forma, que não é nada prestigiante para a própria, principalmente quando se usa a palavra ‘recorde’ para descrever o sucedido”, disse à VISÃO.
“Aquilo não é caça, é puro abate. Não vejo que alguém possa abater 30 e tal animais em média pelo prazer de caçar. Na verdade, poderemos estar perante uma sobrepopulação de animais de caça maior [corços, veados ou javalis], que foram criados dentro da herdade e que, com a pandemia, possam ter atingido um número incomportável. Mas também pode haver ali algum plano de limpeza do terreno”, explicou José Luís Bernardino, aludindo ao projeto de energia renovável que está a ser estudado para aquela propriedade.
Segundo o responsável pela CNCP, “o consumo de carne de caça esta generalizado em Espanha e o que tem acontecido é que, de forma a angariar caça maior, várias empresas têm estabelecido contratos com herdades portuguesas, onde se desenvolvem efetivos [de animais] grandes e que fornecem, por norma, os animais abatidos”.
“Agora, uma empresa publicar estas fotos, neste momento, quando o setor da caça foi extremamente afetado pela pandemia, não é nada gratificante”, concluiu.
PAN exige explicações ao Governo
À VISÃO, o PAN adiantou que “já questionou o Governo, através do Ministério do Ambiente e Ação Climática, liderado por João Pedro Matos Fernandes, com vista a apurar o que levou à autorização desta montaria, numa zona de grande sensibilidade ecológica, envolta em polémica, para onde está, inclusivamente, prevista a instalação de uma central fotovoltaica com 775 hectares e cujo Estudo de Impacte Ambiental (EIA) encontra-se ainda em fase de consulta pública até 20 de janeiro de 2021”.
“Além disso, o PAN requereu também hoje uma audição ao Ministro do Ambiente com caráter de urgência para esclarecer esta situação”, apontou o partido.