A mensagem anda a circular nas redes sociais há vários dias e alega uma série de ligações perigosas para explicar os interesses económicos escondidos na pandemia que assola o planeta.
“O mundo é um lugar pequeno!”, lê-se no início do pequeno texto, que depois passa a explicar: “O laboratório chinês de Wuhan pertence, na realidade, à Glaxo, que por acaso possui a Pfizer, que faz a gestão financeira da Black Rock, que por acaso gere as finanças da Sociedade Aberta de George Soros, que por acaso cuida dos interesses da francesa AXA e cuja sociedade alemã Winterthur construiu o laboratório chinês, que foi comprado acidentalmente pela alemã Allianz, que por acaso tem como grande acionista a Vanguard, acionista da Black Rock, que controla os bancos centrais e gere um terço do capital de investimento mundial, que por acaso é uma grande acionista da Microsoft, cujo fundador – Bill Gates – é um grande acionista da Pfizer e que atualmente é o primeiro patrocinador da OMS.”
A circular igualmente por WhatsApp, a publicação vem acompanhada do alerta “mensagem reencaminhada demasiadas vezes”, que foi criado no verão de 2018 como forma de avisar que podemos estar perante uma corrente, na tentativa de combater tudo o que aparenta ser desinformação. Mas, pelo sim, pelo não, os mais variados sites de “fact check” do mundo – como o criado pela Association France Press – fizeram já a verificação de dados e dizem que não, o laboratório chinês de Wuhan não é da Glaxo, nem esta é dona da Pfizer, nem nada ali mais se confirma.
Sobre Wuhan, nada
Comecemos então pelo início da tese, cujo foco é o Instituto de Virologia de Wuhan (IVW). De acordo com uma nota da revista Nature de 2017, a criação do laboratório P4 (que tem estado debaixo de fogo desde o início da crise da Covid-19) foi aprovada em 2003 pela Academia Chinesa das Ciências (CAS) e construída com a ajuda do CIRI, o Centro Internacional de Investigação de Infeciologia francês. Aquela ala do IVW foi inaugurada em 2015 – e nos registos sobre a sua abertura não há nenhuma menção ao envolvimento de empresas estrangeiras. O Instituto depende oficialmente da CAS, ou seja, do governo chinês.
As referências a George Soros também caem por terra. Pesquisando no site da Open Society Foundation, fundada por aquele investidor e filantropo, não se encontra qualquer menção à companhia de seguros francesa AXA associada à gestão de dinheiro; aparece apenas em processos judiciais de outras empresas, com vista à proteção da sua propriedade inteletual. Da mesma forma, os organogramas da AXA não incluem a organização filantrópica de Soros. Já o Winterthur Group era uma companhia de seguros suíça (e não alemã) adquirida pela AXA em 2006 – e, como sublinha a AFP, uma empresa extinta não poderia ter construído um laboratório na China.
A Allianz, por outro lado, diz no seu site oficial que tem delegações na China, sim, mas em Pequim, Shangai e Guangzhou. Não há, também, nenhuma menção a Wuhan ou a outro laboratório da empresa naquele país. Quanto à Glaxo (GlaxoSmithKline) o resultado é o mesmo – tem delegações em Shangai, Pequim e Tianjin. Sobre Wuhan, nada.
Um imbróglio chamado Pfizer – ou nem por isso…
O caso da Pfizer parece mais complicado, mas uma correlação como está a ser feita pela publicação viral não é correta, concluiu a France Press. Ou seja, segundo a CNN, a farmacêutica é controlada maioritariamente pelo grupo Vanguard, que detém 7,67% das suas ações. Já a Glaxo não aparece na listagem de empresas com participação daquela multinacional – há, sim, referência ao Fundo Capital Research & Management, mas este tem apenas 0,67% da GSK. É também sabido que, em dezembro de 2018, as duas empresas se aliaram numa joint-venture, uma aliança lançada com o objetivo de ser líder de mercado na área do alívio da dor, ccomercializando produtos farmacêuticos como Voltaren, Panadol e Advil. No entanto, não se trata do tipo de transação em que uma empresa compra a outra – e as duas permanecem concorrentes no setor farmacêutico.
Atentemos então sobre o que se diz sobre a Black Rock, a maior gestora de ativos do mundo e que, como tal, detém ações em dezenas de milhares de empresas (incluindo a Pfizer), e tem milhares de investidores, como o citado George Soros. É sabido também que há dinheiro do Fundo de Investimento Estratégico da Fundação Bill & Melinda Gates investido na Pfizer, com o objetivo de expandir o acesso a um contracetivo injetável nos países em desenvolvimento. A fundação de Bill Gates tornou ainda público que colaboraria com várias organizações para desenvolver uma vacina contra a Covid-19. Contudo, nem aquela instituição nem o próprio Gates estão entre os principais acionistas da Pfizer.
“Se não estiver suficientemente claro…”
É ainda verdade que a Fundação Gates está entre os contribuintes da OMS – a sigla por que é conhecida a Organização Mundial da Saúde –sendo responsável por 11,65% do dinheiro recebido por aquela agência. Contudo, não se trata do seu principal patrocinador: o dinheiro fornecido pelo governo alemão ultrapassa aquela parcela, representando 12,18 % das suas receitas.
Curiosamente, em boatos.org, está também o suposto fim da mensagem inicialmente posta a circular, mas que, depois de tantas voltas, acabou por desaparecer – e que reza mais ou menos assim: “Se não estiver suficientemente claro que tudo começou com um morcego […], posso continuar. Mas, por favor, não distribua massivamente esta mensagem. Porque sou apenas um conspirador a espalhar notícias falsas…”