Nascido e criado em Felgueiras, um dos três concelhos no distrito do Porto, a par de Lousada e de Paços de Ferreira, que em outubro viu disparar significativamente o número de pessoas doentes com Covid-19, mesmo dentro do quarto Hugo Silva não deixou de registar o seu dia a dia de isolamento. A tirar o curso profissional de fotografia, o que começou como um hobby, pensava que podia ser uma ferramenta para mudar de profissão.
Este jovem de 26 anos é uma das cerca de 20 mil pessoas, num universo de 60 mil habitantes, a trabalhar num fábrica de calçado. Apesar de distante das linhas de produção – é responsável pelo design e protótipos de novos modelos de sapatos – não escapou ao contágio. No início de novembro quando testou positivo e foi para casa, o número de novos casos já rondava entre os 40 a 50 no universo de 150 trabalhadores da fábrica onde trabalha.
Os piores sintomas foram dores no corpo, cansaço muscular e dores de cabeça muito fortes. O final do dia foi sempre pior, depois também perdeu o paladar e o olfato, mas já os recuperou. Dias depois veio a tosse seca e as dores de cabeça teimavam em não passar. Além do contacto que manteve com o SNS24, também falou com o seu médico de família. Após dois testes positivos, na passada quarta-feira, 25, recebeu o terceiro resultado, desta vez inconclusivo. Agora já não fará mais nenhum teste e no domingo, 29, perfazem 24 dias de isolamento. Está desejoso por “sentir a liberdade que perdeu durante vários dias”
Sozinho, dentro do quarto, Hugo Silva manteve vários dias seguidos o mesmo ritual: medir a temperatura corporal. O valor mais alto chegou ao 39,5º.
Com a mãe em casa, nunca lhe escapou uma refeição deixada sempre no tabuleiro, à porta do quarto. Uma feijoada é sempre uma feijoada, mas em isolamento não tem o mesmo sabor. No quarto Hugo Silva guarda sumo, água, bolachas, fruta e até o lixo.
Fã de Banda Desenhada desde miúdo, de Tintin a Astérix e outras histórias de fantasia e aventura, já leu tudo o que guarda na estante dentro do quarto. São 16 horas para preencher ao longo do dia, pelo menos, três delas foram passadas a folhear páginas e a ler balões.
Muitos momentos do dia foram passados à janela, com vista para um anexo da casa dos pais onde e com quem mora, e para um pequeno bosque, que por agora em vez de árvores verdes, estão amarelas do outono. Ali colmatava o que lhe fazia falta: o prazer de estar livre.
Outra companhia entre quatro paredes foi o telemóvel. Durante este mês recebeu mais chamadas do que o resto deste ano e de 2019 juntos. Até vídeochamadas começou a fazer. Ao longo do dia é com a namorada, também positiva e em isolamento, que mais fala durante o dia.
À noite, com a luz do computador portátil como companhia também via séries, documentários e filmes. Prefere narrativas sobre a Histórias, pormenores sobre a Natureza e alguma comédia com humor negro