O regresso às aulas presenciais levou a equipa de investigadores do ISPA – Instituto Universitário a avaliar a experiência dos educadores e professores do ensino Básico e Secundário através de um inquérito online. O projeto iniciado na quarentena tinha por meta perceber como é que a população estava a reagir e identificar preocupações e necessidades, estendendo-se ainda aos profissionais de saúde que estavam na linha da frente do combate à Covid-19.
Com 400 respostas recolhidas até 20 de novembro, numa amostra em que a idade média ronda os 46 anos (80% são mulheres), o perfil provisório das inquietações dos profissionais de educação sugere que, embora a adaptação às medidas sanitárias esteja a correr relativamente bem, há necessidades não satisfeitas e preocupações que tiram o sono e estão a desgastar o pessoal docente.
Emoções à flor da pele
Os dados preliminares do Psiquaren10, que ganhou o Prémio de Boas Práticas em Psicologia da Ordem dos Psicólogos, permitem afirmar que os profissionais se sentem muito exaustos (59%), afetados pela perturbação das rotinas diárias (58%), com problemas de sono (49%) e muito ansiosos (44%). São menos, embora não poucos, aqueles que dizem sentir-se muito irritados (36%) ou muito deprimidos (31%) e 23% acham que precisam de apoio psicológico.
A psicóloga Ivone Patrão, coordenadora do projeto que envolve uma equipa de 10 pessoas (psicólogos e estagiários), refere que “nas consultas gratuitas disponibilizadas surge o tema da socialização, do cansaço em estar mais online e menos com as pessoas”.
A boa notícia: a maioria dos inquiridos (81%) mostra-se satisfeita com as medidas públicas adotadas e admite que a escola tem colaborado com o corpo docente. Outra nota positiva: a perceção de que as orientações para prevenir a Covid-19 nas aulas presenciais são eficazes é partilhada por 43% dos educadores e professores.
O consenso é menos visível no que respeita às regras sanitárias, com 36% a admitirem que elas perturbam a gestão em sala de aula. Quase um quarto dos inquiridos (22%) não se sente confiante a gerir o grupo de alunos no novo contexto educativo.
O que pode ser feito
Comentando estes dados, a psicóloga clínica que lidera igualmente o projeto Geração Cordão (Ver abaixo), admite que há muito a fazer no sentido de ajudar os pais, alunos e profissionais a lidarem melhor com a fadiga pandémica, sobretudo no plano emocional, até porque “entre as principais preocupações identificadas neste inquérito, destacam-se o medo de ficar contagiado ou de infetar outros, o incumprimento das medidas preventivas e o impacto que elas têm no relacionamento entre professores e alunos, crucial para uma boa aprendizagem”.
A forma como os pais e os professores gerirem a fadiga associada às medidas preventivas e ao mundo digital é determinante no desenvolvimento dos mais novos, para quem os adultos são modelos.
Se é certo que nem todas as necessidades estão asseguradas, desde a adequação do espaço à dimensão das turmas e aos recursos tecnológicos, passando por melhores condições de arejamento e sonorização, não o são menos os recursos psicológicos a aperfeiçoar para que o ano letivo corra de feição.
Alguns exemplos: “Reconhecer o que sentem, orientar os pensamentos com foco nas ações que conferem segurança, investir no autocuidado, em atividades que dêem prazer e procurar ajuda, sempre que necessário.”
A prioridade dada à socialização online, desde o início da pandemia, não é isenta de riscos e tem impacto nas crianças e jovens. A forma como os pais e os professores gerirem a fadiga associada às medidas preventivas e ao mundo digital é determinante no desenvolvimento dos mais novos, para quem os adultos são modelos.
3 perguntas a Ivone Patrão, Psicóloga clínica e investigadora do ISPA – Instituto Universitário

Que balanço faz do projeto Geração Cordão (desafios de quem nasce na era digital)?
Nos últimos 10 anos percebemos que a dependência das tecnologias e da internet acontece cada vez mais cedo. O risco é maior para quem é mais introvertido, impulsivo e educado com estilos parentais incoerentes. Nos rapazes, essa dependência manifesta-se sobretudo nos jogos online, nas raparigas centra-se mais nas redes sociais. O problema não está no uso do digital, antes nas dificuldades que encontram se não desenvolverem competências emocionais e sociais que lhes permitam uma relação saudável e autónoma.
Quais as implicações dos estudos já feitos nas amostras de crianças e jovens?
Estamos conscientes da ligação entre as situações agudas ligadas ao consumo excessivo das tecnologias e que envolvem as perturbações alimentares, a depressão e o défice de atenção. Há dois anos, entendemos criar materiais didáticos para prevenir o risco da dependência online e promover o uso saudável da tecnologia e colocar a gamificação ao serviço da consciência digital, sob a forma de jogos e de histórias. Todos têm uma validação científica e podem ser usados em sala de aula como nas consultas e em família.
Pode dar alguns exemplos de recursos para melhorar as competências digitais?
O jogo Missão 2050, para jovens dos cinco aos 14 anos, feito em parceria com o colega pedro Aires Fernandes, tem a intenção de promover o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e da Internet e transmitir noções sobre literacia, cidadania e segurança online. Para os mais novos, entre os três e os dez anos, a coleção de dez histórias recomendada pela Ordem dos Psicólogos Coleção e com apoio científico das Sociedades de Psicologia da Saúde e de Terapia Familiar, com dois contos já publicados (co-autoria de Filipa Pimenta): O Urso Tobias Queria ver a Lua de Perto, que aborda o tema da autoeficácia e a capacidade de ganhar confiança e superar desafios, e O Pássaro Nimas dá Asas à Diversão, sobre a socialização além dos ecrãs.