Manuel Carmo Gomes, professor de epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), revelou à VISÃO que reviu esta quarta-feira, 11, as previsões relativas ao desenvolvimento da pandemia em Portugal e, pela primeira vez nos últimos dias, há uma boa notícia. O valor do índice de transmissão da doença no nosso país, ou Rt, baixou duas centésimas. Se nas últimas semanas o valor registado se tinha mantido constante em 1,15, esta quarta feira baixou para 1,13.
“O valor diz respeito à média dos últimos sete dias, o que significa que as pessoas, aparentemente, começaram a alterar comportamentos no fim de outubro, ainda antes de o Governo ter adotado as novas medidas para 121 concelhos”, revela Carmo Gomes. Ainda assim, alerta, “é preciso esperar para ver se isto se mantém nos próximos dias. Não basta o Rt descer um bocadinho um dia e depois voltar a subir. É essencial que haja consistência na descida.”
Ainda que sejam apenas duas décimas, a descida registada influenciou positivamente as previsões relativas à evolução do número de novos casos. “Neste momento, estamos a prever um pico de nove mil casos entre 30 de novembro e 9 de dezembro. As nossas previsões anteriores eram de 11 mil a meio de dezembro”, revela Manuel Carmo Gomes. Ou seja, não só o número de novos casos correspondentes ao pico de infeções parece poder vir a ser menor, como este pico poderá chegar, e passar, mais cedo que o previsto. “Mas isto só se verificará se o Rt não voltar a aumentar”, sublinha o especialista. E acrescenta, “se as medidas do Governo tiverem um grande impacto, até podemos vir a ter um pico que não chegue aos nove mil casos”.
Quanto ao número previsto de óbitos, não existem alterações, continuando a esperar-se um pico de 100 óbitos diários, por volta da segunda ou terceira semanas de dezembro. “Depois esperamos que desça, mas, para que os óbitos desçam é preciso que os internamentos comecem a descer, pelo menos, duas a três semanas antes e, para que os internamentos comecem a descer, é preciso que os contágios diminuam. Está tudo ligado”, conclui Carmo Gomes.
É precisamente o facto de estar tudo ligado que preocupa o coordenador do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos Filipe Froes, que alerta: “A resolução da pandemia não se faz aumentando a capacidade de resposta do SNS, até porque essa, não só é finita como compromete a prestação de cuidados a todas as outras áreas.” O pneumologista refere que, apesar de o investimento no SNS ser muito importante, este não representa a solução. “A solução passa por quebrar a origem dos novos casos que condicionam a sobrecarga existente sobre esse mesmo sistema. Temos de intervir a montante do problema, ou seja, reduzir de forma mantida e progressiva o número de casos, esmagando a curva.”
Nesse sentido, as novas regras divulgadas pelo Governo, e vigentes desde segunda feira, 9 de novembro, em 121 concelhos do País, poderão ajudar, mas tudo depende se serão ou não cumpridas pela população.
Manuel Carmo Gomes revela que, normalmente, o efeito deste tipo de medidas começa a fazer-se sentir cerca de 15 dias após terem sido adotadas, mas refere ser impossível prever qual o verdadeiro impacto que terão no Rt nacional, uma vez que “isso depende muito do comportamento das pessoas”.
Fazendo eco das palavras divulgadas hoje, em comunicado, pela Ordem dos Médicos, onde é expressa a necessidade de “garantir os meios necessários à implementação das medidas de prevenção e controlo, nomeadamente nos transportes públicos, bem como, fiscalizar o seu correto cumprimento”, Filipe Froes diz que, “ se tivermos uma boa medida sem adesão, essa medida não tem qualquer significado”.
Manuel Carmo Gomes explica que as contas terão sempre de ser feitas à posteriori. “Duas semanas após a entrada em vigor das medidas, teremos de calcular a média de novos casos por dia nas três semanas anteriores e averiguar se o aumento entre a segunda e a terceira é inferior ao aumento entre a primeira e a segunda. Se for, então quererá dizer que fizeram efeito”, explica, sublinhando que se refere a um aumento, porque, enquanto o Rt estiver acima de 1, é inevitável que este se registe. “É mais uma questão de aceleração, como num carro: quando está a andar está sempre a andar, pode é fazê-lo mais depressa ou mais devagar”, exemplifica.
Filipe Froes considera que as medidas que o Governo tem tomado para travar este carro têm sido “não só insuficientes como tardias”, defendendo ainda que “não basta anunciá-las, é preciso criar condições para as implementar e, nessas condições, temos de ter em atenção os meios e a explicação das mesmas à população”. O médico acredita ainda que, apesar de poderem existir fenómenos de cansaço, saturação e fadiga pandémica, “a maior parte das pessoas, percebendo o alcance que as medidas podem ter na sua vida pessoal, na vida da sua família e de todos nós, tentará aderir”.