“Depois do meu último turno, chorei o caminho todo a caminho de casa. Não sei descrever… As urgências parecem mesmo as trincheiras”, conta, à VISÃO, a enfermeira Patrícia Marques, 28 anos, que trabalha no serviço de urgência do hospital Padre Américo, em Penafiel.
Esta unidade do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS) – do qual também faz parte o hospital de São Gonçalo, em Amarante – tem sido uma das mais sobrecarregadas pelo aumento dos internamentos no País, chegando a acolher perto de 10% do número total de doentes hospitalizados com Covid-19. O pico das últimas semanas foram 235 pessoas internadas no CHTS.
Na quarta-feira, dia 4, estavam hospitalizadas 2 337 pessoas infetadas com o coronavírus em Portugal, 218 no Tâmega e Sousa. “O que se tem passado nos últimos dias neste centro hospitalar é uma situação caótica”, denuncia o presidente da seção regional Norte da Ordem dos Enfermeiros, João Paulo Carvalho.
“Chegou-se a um ponto em que, numa noite, estavam 115 doentes na área respiratória da urgência e só havia quatro enfermeiros para os acompanhar”, garante o representante dos enfermeiros.
Patrícia Marques confrontou-se com um cenário semelhante. “No meu último turno, nem tinha espaço para passar entre as macas. Parecia um jogo de Tetris”, descreve. No dia 25 de outubro, deparou-se com 70 pessoas na urgência, ao mesmo tempo, à espera de serem vistas. “Trinta eram doentes com pulseira laranja, ou seja, muito urgentes”, sublinha. E só estava mais uma enfermeira de serviço.
“Como é que duas enfermeiras sozinhas tomam conta de 70 doentes?”, interroga-se, incrédula.
A administração do CHTS já admitiu “fragilidades” nas escalas devido ao número de profissionais contaminados com o coronavírus. De acordo com a Ordem dos Enfermeiros, desde o dia 1 de outubro, foram contabilizados 140 trabalhadores infetados no centro hospitalar (cerca de 40 são enfermeiros).
Patrícia Marques é uma delas. Testou positivo para a Covid-19 e está em isolamento há dez dias. “Acredito que me contagiei no hospital porque só tenho contacto com os meus familiares e eles positivaram depois de mim, afirma.
Apesar de estarem estabelecidos circuitos separados para doentes suspeitos ou com Covid-19 e também para doentes não-Covid, a enfermeira explica que “não há hipótese de separar os doentes quando estamos a rebentar pelas costuras e temos 600 episódios de urgência por dia. Estávamos habituados a receber, no máximo, 400 pessoas”.
Junto da área da urgência destinada às doenças respiratórias, como já não havia espaço lá dentro, “as pessoas acumularam-se no corredor e os doentes acabaram por ficar todos misturados uns com os outros”, admite.
“Quando terminava o meu último turno, perto da meia-noite, estava uma equipa da manutenção a colocar paredes de pladur para alargar a área destinada aos doentes respiratórios”, conta.
A administração do centro hospitalar revelou que chegou a registar 800 atendimentos diários na urgência, mais do que durante o pico da gripe.
A rebentar pelas costuras
O Padre Américo estava a receber uma média de seis a sete doentes positivos por dia mas, nas últimas semanas, tornou-se frequente internarem 30 ou mais doentes com Covid-19, diariamente. “Às vezes, temos 30 ou 40 doentes com coronavírus internados na urgência porque não têm para onde ir”, lamenta a enfermeira.
“Com tanta gente, se somos os mesmos, alguma coisa fica por fazer”, reconhece, antes de sublinhar: “Mas ninguém fica à mercê da morte”.
A ministra da Saúde, Marta Temido, admitiu esta quinta-feira que a situação no CHTS “é grave”, mas garantiu que está ser resolvida.
A Ordem dos Enfermeiros identifica uma “incapacidade de resposta na urgência e no internamento do hospital”, de acordo com João Paulo Carvalho. “Este centro hospitalar foi pensado para atender 350 mil pessoas, mas está a responder a 550 mil”, nota.
“O Padre Américo está sempre pressionado e, com a Covid-19, tudo se agravou”, constata. “Os profissionais estão sob uma enorme pressão. Muitos estão no limite ou já o ultrapassaram”, acrescenta João Paulo Carvalho.
Apesar das dificuldades, Patrícia Marques admite que está “ansiosa por voltar” pelos colegas, “que estão a sofrer muito.”
A ministra da Saúde, Marta Temido, admitiu esta quinta-feira que a situação no CHTS “é grave”, mas garantiu que, até ao final da semana, o número de internados com Covid-19 no Tâmega e Sousa irá baixar para cerca de 150 ou 160 doentes, em vez dos mais de 200 dos últimos dias.
Ontem estavam hospitalizados 218 infetados no CHTS, mas os doentes já começaram a ser transferidos para outros hospitais da região e, esta manhã, esse número desceu para os 173.
O conselho de administração do CHTS revelou que vai entrar em funcionamento, no fim-de-semana, uma estrutura de 500 metros quadrados para prestar apoio à urgência. Também foi agora instalado um drive-thru para a realização de testes de rastreio à porta do hospital, de forma a diminuir o afluxo de doentes às instalações. O centro hospitalar reforçou, ainda, que já foram contratados mais de 150 profissionais de saúde para fazer face à pandemia. E garante que as contratações vão continuar.