Pode um algoritmo detetar o humor de um orador, perguntava, provocador o The Wall Street Journal há já três anos, quando se soube que jovens cientistas do MIT – o prestigiado instituto de tecnologia do Massachussets – andavam a treinar um computador para uma tarefa muito particular. A sua intenção era que, considerando uma série de fatores, se conseguisse avaliar as emoções de quem tecla do outro lado. E depois agir em conformidade.
Para tal, os voluntários desse estudo usaram um computador numa viseira, equipado com sensores que captam uma variedade de dados fisiológicos. Um deles era Mohammad Mahdi Ghassemi, que anos antes costumava divertir-se com daqueles anéis que alegadamente identificam o nosso estado de espírito. Eram peças dotadas de uns cristais líquidos na pedra que mudavam de cor à medida que a temperatura da pela mudava – e isso identificava a emoção de quem o usava ao momento. Agora, como estudante de pós-graduação em ciências informáticas no MIT, juntara-se a um colega, Tuka Alhanai, para desenvolver uma tecnologia que permitisse detetar ainda melhor as mudanças de humor de um orador.
Era um sistema baseado na inteligência artificial de um algoritmo informático que registava não só o que estava a ser dito, mas também a forma como o era feito – bem como os sinais vitais do orador. E com estes inputs determinava se uma conversa era feliz, triste ou neutra. Aqueles jovens cientistas do MIT não eram propriamente os primeiros a socorrer-se da inteligência artificial para detetar emoções. Mas ultrapassavam então os limites ao treinarem um computador para ter em conta uma tão vasta gama de fatores ao fazerem julgamentos sobre as emoções. Agora, o processo está muito mais aperfeiçoado.
Em busca de padrões
A intenção de Ghassemi e dos seus colegas era que um dia a tecnologia pudesse ser usada por pessoas que tenham dificuldade em ler as pistas que o rosto dos outros revela, nos encontros pessoais. Aqueles que se encontram no espectro do autismo, por exemplo, poderiam beneficiar de ter colegas de trabalho ou parentes a usar um dispositivo que conseguisse fazer avaliações emocionais continuas. Ou que pudesse ser usada em salas de aula, grupos de discussão ou outros ambientes. O sistema, revelavam então, poderia até treinar pessoas na avaliação do teor emocional de uma conversa ou do humor de uma audiência.
Por essa altura já a Science contava que as redes sociais continham uma enorme quantidade de dados que poderiam ser usados pelas ciências sociais. Milhares de milhões de utilizadores, e centenas de milhares de milhões de tweets e posts todos os anos, abriam então uma oportunidade sem precedentes de usar a inteligência artificial para colher significado daquela massa imensa de comunicações humanas, reconhecia o psicólogo Martin Seligman.
No Centro de Psicologia Positiva da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, Seligman e mais de 20 psicólogos, médicos e cientistas informáticos do Projeto de Bem-Estar Mundial testavam o uso de máquinas e do o processamento da linguagem para avaliar a saúde emocional e física do público. Era uma avaliação tradicionalmente feita com inquéritos. Mas os dados das redes sociais eram, frisava Seligman, “discretos, muito mais baratos e de um alcance muito maior”. E, com a ajuda da AI, permitiam revelar padrões.
Prever notas
Num dos estudos, Seligman e os colegas analisaram as atualizações do Facebook de 29 mil utilizadores que tinham feito uma autoavaliação da depressão. Com base nesses dados, o algoritmo que usavam encontrou associações várias entre as palavras nos seus posts e os níveis de depressão. Podia então avaliar com (algum…) sucesso a depressão de outros utilizadores com base apenas nas suas atualizações.
Numa outra experiência, a equipa conseguiu prever taxas de mortalidade por doenças cardíacas, numa determinada região, analisando perto de 150 milhões de tweets. Palavras relacionadas com raiva e relações negativas revelavam-se como fatores de risco. E as previsões ficaram bem mais perto das reais, feitas com base em hábitos e condições como o tabagismo ou a diabetes.
Os investigadores utilizaram ainda as mesmas redes sociais para prever a personalidade, o rendimento e ideologia política – e até para estudar os cuidados hospitalares, experiências místicas e estereótipos. Criou inclusive um mapa a colorir cada região americana de acordo com o bem-estar, depressão, confiança. James Pennebaker, psicólogo social da Universidade do Texas, era assertivo: “Há uma revolução em curso na análise da linguagem e da sua ligação à psicologia”. O mesmo que descobriu que o uso de certas palavras, num ensaio de admissão à faculdade, podia prever as notas.
Um ano com vírus
Agora, decorre já toda uma outra experiência, depois de muitas pessoas terem declarado 2020 como o pior ano da história. Embora tal descrição possa parecer irremediavelmente subjetiva, segundo a Inteligência Artificial é mesmo verdade. Ou melhor, é o que diz o hedonómetro, uma forma computorizada de avaliar sentimentos como a felicidade ou o desânimo. Está a funcionar numas máquinas da Universidade de Vermont, também nos EUA. É ali que recolhe cerca de 50 milhões de tweets e depois converte os dados para ler o estado de espírito daquele publico. E, de acordo com esse hedonómetro, 200 foi – de longe – o ano mais hediondo desde que começaram estes rastreios, em 2008.
Esta maquineta é a encarnação recente de uma tarefa em que os cientistas informáticos trabalham há mais de 50 anos: usar computadores para avaliar o tom emocional das palavras. Para a construir, Chris Danforth teve de lhe ensinar a compreender as emoções que há por detrás dos tweets. O processo, conhecido como análise de sentimentos, tem feito grandes progressos. A avaliação de 2020 como um annus horribilis é só o mais recente.
Aplicação na saúde mental…
Claro que muitos destes estudos não conseguem fornecer informação relevante que permita apoiar políticas de saúde mental, por exemplo. É o que faz questão de salientar Stevie Chancellor, uma perita da NorthWestern University numa área conhecida como informática centrada nas pessoas, e coautora de uma recente revisão de 75 desses estudos, citada num artigo de Dana Mackenzie, doutorado em Matemática, autor de livros sobre ciência, e colaborador de revistas como Science, New Scientist, Scientific American.
Mas, no seu entender, esta análise de sentimentos pode ser clinicamente muito útil, por exemplo, quando se faz a triagem de um novo paciente. É que, mesmo sem dados pessoais, é possível identificar tendências como o nível geral de stress entre estudantes universitários durante uma pandemia. Ou os tipos de interações nas redes sociais que desencadeiam recaídas entre pessoas com distúrbios alimentares. Tudo muito à imagem e semelhança do que este 2020 nos tem provocado.