Já sabíamos que os escandinavos gostam de condensar conceitos em palavras. Agora que o resto do mundo aprendeu a dizer hygge (soa a “huga”), uma espécie de aconchego que os dinamarqueses olham como estilo de vida, da Noruega chega-nos a palavra friluftsliv, traduzível por “vida ao ar livre”.
A palavra não surgiu este ano, mas nunca como em 2020 foi ela tão utilizada e, sobretudo, promovida em terras nórdicas. Em tempos de Covid-19 e de distanciamento social, nada será melhor do que passar os dias longe dos espaços fechados, propícios ao contágio, lembram os especialistas.
Não foi, por isso, por acaso que, desde março, um em cada três noruegueses aumentaram as atividades fora de casa, sendo que, em média, já “praticavam” friluftsliv três vezes por semana, diz Lasse Heimdal, secretário-geral da Norsk Friluftsliv, uma organização que representa mais de cinco mil grupos de atividades ao ar livre da Noruega.
“Para os noruegueses, a vida ao ar livre é menos sobre o que você faz e mais sobre onde você está”, explicou Heimdal ao jornal The Guardian. “Para mim, trata-se de me desligar do stresse diário, fazer parte do ‘nós’ cultural e existir naquilo que chamo de natureza – uma ‘sala de fuga’.”
Friluftsliv implica tipicamente caminhar, pescar, dormir em redes e colher amoras. E é, uma vez mais, um estilo de vida – norueguês, defende o mesmo responsável que, no início de setembro, organizou a “semana da vida ao ar livre”, com direito a uma visita do ministro da Cultura e Igualdade, Abid Q Raja.
Nesse dia, todos estavam de impermeável e barrete de lã, porque a friluftsliv acontece independentemente da previsão meteorológica. Há muito tempo que os habitantes dos países nórdicos defendem que “não existe mau tempo, existem apenas roupas más”. Friluftsliv, aliás, remontará ao final do século XIX – o dramaturgo norueguês Henrik Ibsen utiliza-a pela primeira vez no seu poema Nas Alturas (1859), em que conta como um agricultor caminha durante um ano inteiro por terras selvagens, antes de abandonar a civilização.
Termine-se escrevendo que Heimdal sublinha que esta comunhão com a natureza não é exclusiva “de desportistas empedernidos nem exploradores intrépidos”. Citado pelo site da revista National Geographic, lembra que a friluftsliv também inclui grandes passeios com amigos, piqueniques, andar de bicicleta ou levar o cão à rua numa manhã fresca.
“É como uma espécie de descanso dos telemóveis e dos computadores… Você está ao ar livre e na natureza, é um dos melhores lugares para relaxar.” E – por que não? – beber um copo, ri-se. Sim, também existe uma palavra específica para beber cerveja ao ar livre: utepils. Haja saúde.