Lídia e Manuel Nascimento são um casal que, “desde sempre,” apanha lixo na Praia de Santa Cruz, em Torres Vedras, o local onde mora e que frequenta quase diariamente. Os dois contam à VISÃO que, há uns anos, só havia lixo na praia, principalmente plástico, depois de uma tempestade ou quando havia mais agitação marítima. Mas esse panorama mudou desde o inverno do ano passado.
“No inverno de 2019, as coisas mudaram um bocadinho. Aqui, na nossa zona, começou a aparecer muito mais lixo. Diariamente as marés traziam novo lixo para a praia e foi aí que se tornou um hábito começar a apanhar lixo porque, na verdade, todos os dias havia algo para apanhar”, conta Lídia.
O caso mais insólito do casal, enquanto apanhavam lixo, foi no dia 19 de julho, em Peniche, quando encontraram um buraco totalmente cheio de lixo dos anos 70 e 80 com mais de uma centena de embalagens de iogurtes, garrafas de refrigerantes, restos de comida e protetores solares. O casal acredita que este “lixo eterno”, como lhe chamaram, foi depositado de propósito no local e existe a possibilidade de ter sido depositado durante um acampamento selvagem. Esta “descoberta arqueológica” veio ajudar a entender como os cidadãos da época não tinha consciência ambiental e de como é difícil a degradação destes materiais, porque, como se pode ver nas imagens, muitos dos achas continuam em boas condições.
De certo que já ouviu falar do medicamento “cloroquina” nos últimos meses, devido à pandemia. A cloroquina é um medicamento usado no tratamento da malária e foi um dos objetos mais estranho que o casal encontrou. “Sem ser o achado dos anos 80, a coisa mais estranha que encontrei foi a embalagem de um medicamento produzido pelas farmácias do exército francês, que é dado aos soldados para quando estes vão para locais e situações inóspitas, que serve para tratar a malária, e é a famosa cloroquina”, explica Lídia.
“Nós apanhámos a embalagem há duas semanas e parece-nos ter já muitos anos. Devia andar já há algum tempo perdida no mar porque até já tem inscrições apagadas e nós não conseguimos ver a data de validade. E a embalagem vinha com os comprimidos lá dentro”.
Ao contrário do lixo regular, o lixo marinho não pode ser reciclado. ” O lixo marinho já não tem qualidade para ser reciclado, ao contrário do que muitas pessoas pensam”. Então o que acontece ao lixo recolhido? “Quase todo vai para o contentor do lixo indiferenciado, pois está demasiado degradado para ser reciclado. As garrafas e latas que são deixadas na praia vão para o ecoponto amarelo, pois à partida é possível reciclá-las. É assim que fazemos, mas gostaríamos mesmo era que fossem disponibilizados contentores próprios para colocação de lixo marinho junto às praias”.
Mas algum é guardado. “Nós normalmente também guardamos algumas coisas para consciencializar as pessoas. Por exemplo, o ano passado fizemos uma exposição que serviu para alertar e, mais uma vez, consciencializar. Este ano também tínhamos previsto fazer outra mas com esta situação alterou-nos os planos e por isso guardámos alguns dos objetos que são mais representativos ou os que têm características especiais, que são mais invulgares”.
Lídia e Manuel, para além de recolherem o lixo, ainda ajudam a perceber o impacto da poluição em Portugal. “A Fundação Oceano Azul tem um Contador de Lixo Marinho. As organizações preenchem um formulário próprio, onde colocam o peso (em quilos) do lixo que recolheram e enviam. Nesse Contador está o peso do lixo de todas as organizações a nível nacional que preenchem esse formulário”.
O casal tem ainda um pedido que pode salvar a vida marinha e ajuda no combate à poluição do mar. “Se pudéssemos pedir uma única coisa [aos responsáveis e ao governo] seria que fosse proibida a utilização de esferovite no mar. Agora, durante o verão, não se nota muito, mas durante o outono e o inverno existem marés brancas de esferovite”, contam. “Este material é extremamente perigoso porque desfaz-se em bocadinhos pequenos e são comidos pelos animais marinhos como alimentos”.
O esferovite é utilizado em boias e em caixas onde se conservam o peixe em alto-mar. Antes da utilização massiva do plástico, existiam outros materiais que resultavam para estas finalidades e a proposta do casal para este problema é que se substitua o esferovite por madeira, cortiça, algodão ou outro material que não seja tão prejudicial para o meio ambiente.